No velório

Número 448

Rubem Penz

Amigos reunidos. De todos, morrera aquele considerado mais sábio. Quem tinha a frase certa para cada momento, a última palavra, o tom. Alguém quebra o silêncio:

– Ai, ai… Se não fosse assim, seria de outro jeito.

– Se não fosse assim, seria diferente.

– O que você disse?

– Eu disse que se não fosse assim, seria diferente, e não de outro jeito. Era assim que ele dizia.

– Então, se era diferente, era de outro jeito também.

– Não banque o esperto: se não fosse assim, seria diferente. Seja fiel à memória.

– Mas, e se não fosse? Não seria, por exemplo, de outro jeito?

– Sei lá, acho que sim.

– Pois foi o que eu disse: se não fosse assim, seria de outro jeito…

– Tá, que seja… Mas é você quem diz de outro jeito. Ele, dizia diferente.

– Diferente de quem? De mim ou de você?

– De você, óbvio. Ele dizia de outro jeito – de outro jeito!

– Se ele dizia de outro jeito, então dizia do mesmo modo como eu disse.

– Não! Você disse diferente!

Você disse diferente. Nós dissemos de outro jeito.

– Não adianta, se ninguém dá o braço a torcer, tiramos a prova perguntando adiante. Afinal, todos o conheciam tão bem quanto nós. Pode ser?

– Ok, sabidão. Vai, pergunte.

 

– Olá, com licença. Conhecia o falecido, né? O jeitão dele… Responda, por favor, se não fosse assim, seria…? Seria…? Seria… Hum?

– De infarto?

– Nãnãnã. Não é isso. A senhora não entendeu. Obrigado.

– E você, você aí, diga: se na fosse assim, seria…?

– Cremado?

– Não, bocó: diferente!

– Embalsamado?

– De outro jeito! Diz: de outro jeito!

– Doado à Faculdade de Medicina?

– Desisto! Então, que seja de outro jeito, como você tanto quer.

– Nada disso: agora eu faço questão que seja diferente.

– Vocês dois, por favor, silêncio! Respeito é bom e eu gosto!

– Respeito é bom e conserva os dentes.

– O que você disse?

– Respeito é bom e conserva os dentes. Era assim que ele dizia…


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