Número 449
Rubem Penz
Os aparelhos eletrônicos estão cada vez mais integrados, uns servindo de plataforma para outros. Nesse espírito, resolvi unir o GPS do carro com os pedais de guitarra só para ver o bicho que dava. Pura curiosidade. Deu certo? Tire suas próprias conclusões:
Mixer. Um dos recursos de pedal é o de misturar outros timbres ao som original do instrumento, vindos de outras fontes. Quando usado no GPS, fez com que o Fernando e a Ângela (duas das possibilidades de locutores programados) falassem ao mesmo tempo. Porém, no primeiro comando uníssono de “vire levemente à esquerda”, surgiu uma retroalimentação estranha: o Fernando disse que falou primeiro e a Ângela respondeu que nada disso, fora ela, com certeza. Então Fernando disse que ela nem sabia a diferença de direita e esquerda, quando Ângela acusou Fernando de machista… E, enquanto não desliguei o efeito, as duas vozes ficaram batendo boca. Ponto negativo.
Reverber. Para quem não sabe, a reverberação é utilizada para gerar um efeito de ambiente ao som, que por vezes aparece seco e sem nenhum brilho. Quando exageramos, parece que tudo está sendo dito no meio de um corredor vazio, numa catedral ou num banheiro… Algo como “vihrehhh lehvehmentehhh àhhh esquehrdahhh”. Na medida certa, porém, deixa os enunciados mais encantadores. Por isso, seu uso foi aprovado com louvor: o GPS com reverber tornou-se capaz de fazer com que o habitáculo de qualquer Uno Mille ficasse parecendo espaçoso e imponente como o de uma limusine. Ponto positivo.
Distorção. Altamente rock n’ roll! Imaginei que a tal Ângela pareceria a Janis Joplin cantando Mercedes-Benz, e, Fernando, o Brian Johnson no Black in Black. Tudo que desejava era um efeito “arranhado” no som, ou algo bisonhamente parecido. Porém, por desígnios misteriosos, a distorção foi mal compreendida pelo circuito e acabou aplicada no sentido das frases. A cada nova direção, o GPS dizia: “inunde a pia sem pressa”, “arranhe as paredes pela metade”, “adube a lata de aspargos”. Cá para nós, eu sempre achei o uso de muita distorção uma grande uma droga, mesmo. Só não imaginava que seria alucinógena! Ponto negativo.
Pitch shifter. Agora sim: valeu muito a experiência! Se o motorista estiver cansado da voz de comando, basta alterar o GPS para outro tom, mais alto ou mais baixo. Alguma coisa como o Fernando soar ora como Arnaldo Antunes, ora como Netinho. E a Ângela variar de Tetê Espínola até Cássia Heller. Além do mais, a melodia das vozes sintetizadas, tão monótona quanto aquelas de aeroporto, ganhou a vantagem de sair sempre afinada, sem jamais semitonar. Ou, no caso, semimonotonar! Ponto positivo.
Delay. Este efeito é algo como um atraso, uma espécie de retardo entre o instante em que o som é emitido e o momento em que escutamos. E, de todos os recursos da tal pedaleira testados no GPS do carro, foi o de pior resultado. Nada pode parecer mais irritante do que alguém (no caso uma máquina) ficar nos dizendo: “você deveria ter dobrado levemente à esquerda no cruzamento”; “você deveria ter contornado o viaduto”; “era naquela outra saída de estrada à direita”… Ou, quando finalmente anuncia a chegada, concluir: “você passou duzentos e cinquenta metros do seu objetivo”. E aconteceu bem assim. Ponto negativo? Na prática, sim. Mas, como lição, teve seu valor: nem mesmo a melhor orientação tem utilidade quando chega depois do tempo.
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É Rubem. Às vezes a tão desejada convergência só cria divergências. Estas coisas não dependem só da nossa boa vontade. Parece que depende também da compatibilidade. Forte Abraço.
Bem assim, Marcelo! Grande abraço, que estejas bem,
Rubem