Número 471
Rubem Penz
Era uma vez Pedro, repórter investigativo muito articulado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. Certo dia descobre algo muito perigoso. No jornal, a manchete:
“Lobo deixa apenas a carcaça de cordeiro no Sítio Pascoal”
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a cena do crime. Está lá o pobre cordeiro aos pedaços, subtraído pela gula mortal do Lobo. O problema é que o Lobo tem boas relações com a capital – não é bom negócio para a aldeia prejudicá-lo por um cordeirinho de nada. Somem com a carcaça e combinam a versão: alarme falso.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado e curioso, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No dia seguinte descobre algo muito mais grave. No jornal, a manchete:
“Carcaça de cordeiro do Sítio Pascoal encontrada em cova rasa”
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para o local. O trabalho de ocultação da carcaça fora mal feito, mesmo. Não há mais competência na arte de sumir com evidências. Agora, a versão deve ser a de que não fora o Lobo a matá-lo, e sim um bicho de fora, da montanha, com certeza. O jornal estaria pretendendo ligar o cordeiro ao Lobo por interesses escusos.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso e determinado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No terceiro dia descobre algo muito mais comprometedor. No jornal, a manchete:
“Testemunhas teriam visto Juvêncio retirando cordeiro do Sítio Pascoal”
E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a casa de Juvêncio, que ganha uma passagem só de ida para a capital. Também articulam uma campanha difamatória para as supostas testemunhas, além de acusar Pedro em pessoa de ter ligações com a prima do dono do Sítio Pascoal – fizeram a 4ª série na mesma escola. O repórter não teria a isenção necessária.
Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado e inteligente, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No quarto dia descobre algo muito mais surpreendente. No jornal, a manchete:
“Delegado, prefeito, vereador e padre sabem e escondem a verdade”
E corre todo mundo até a prefeitura para formar um gabinete de crise. Era mais do que necessário blindar o Lobo, nem que fosse com alguma dose de sacrifício. Neste momento, um incêndio repentino encurrala o grupo, matando tragicamente as principais lideranças da aldeia.
Pedro, um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado, inteligente e ético, permanece dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. E descobre algo muito mais assustador no quinto dia. No jornal, a manchete:
“Incêndio na Prefeitura não foi um acidente”
Acontece que ninguém mais acredita nas notícias de Pedro.
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Puxa, Rubem, e apesar dos Pedros e dA Folha, a alcatéia dança livre em volta da fogueira..
gostei muito do texto
Muito grato!
Em defesa da imprensa livre e independente acima de tudo! Abraços, Rubem