Coluna do Metro Porto Alegre em 06.03.13
PARA ENCONTRAR UM NOVO AMOR
Abriu a janela do quarto e, num longo espreguiçar-se, parecia querer abraçar o mundo. A meia estação ofertou uma luz ainda suave de amanhecer preguiçoso. O chambre cobria seu corpo de modo displicente. Mirou o horizonte como quem imagina estar vivendo um dia ideal para encontrar um novo amor. Antes de fechar as cortinas, cabelos molhados e um iogurte nas mãos, atreveu-se num longo suspirar.
Ao ganhar as ruas, deu bom dia ao motorista do ônibus e, logo a seguir, ao cobrador. Tinha aquele sorriso discreto de quem guarda consigo a impressão que o dia lhe esconde um novo amor. Uma parte deste sorriso permaneceu enquanto lia o jornal apanhado na esquina de casa, pulando estrategicamente as seções para ler, primeiro, a crônica. Estranho: o texto parecia descrever sua vida. Depois da parada estratégica na padaria para recolher o quindim de mais tarde, entrou a galope no escritório.
A manhã escorreu-lhe dos dedos finos que saltavam inquietos entre o teclado do computador e do telefone. No intervalo do café, sorvido na companhia amarela do doce, pareceu absorta aos colegas. Entre eles, algum seria capaz de notar em seus olhos o brilho de quem aguarda um novo amor? Amenidades, tiradas de humor e temas esportivos. Pouco havia de extraordinário na conversa, ainda que nada fizesse sombra à luz de suas íntimas convicções.
Almoçou por R$12,75 na balança do bufê consciente de que o vazio no coração não deve ser ocupado com comida. Perdeu-se nas conversas paralelas das mesas vizinhas. Sua própria permaneceu com a cadeira defronte vaga, bem como vagos estavam seus pensamentos. A tarde deu-lhe o cenho franzido da reunião externa, algo que tisnou aquele que parecia ser o dia certo para encontrar um novo amor. O céu estava carregado e as lâmpadas da avenida não formavam um consenso entre acender ou apagar. Quando girou a chave de seu apartamento, de volta, a noite prometia ser insolúvel. Na fria solidão da TV, falecia um dia que nascera propício para encontrar um novo amor.
Digito o e-mail: 7h30 saiu de casa para o escritório; 12h30 almoçou sozinha; 16h entrou na empresa de um cliente, saindo de lá 17h30 direto para casa; chegou 18h15 e não mais saiu. É esse o relatório que enviarei ao ex-marido. Ao mesmo tempo completo e cheio de lacunas. Cuido para não transparecer que estávamos num daqueles dias de encontrar amores. Ela, sem saber que nunca esteve sozinha. Eu, prisioneiro da ética. Invisível.