Rufar dos Tambores número 5019
Não estará a cascata de cabeça para baixo?
Rubem Penz
Leio a toda hora nos jornais que, ao ofertarem aumentos ou reajustes de salários para os altos cargos da administração pública, esta ação resulta em um efeito cascata extremamente dispendioso ao erário. Afinal, os vencimentos em alguma ordem estão atrelados uns aos outros. E o termo “cascata” deve servir de metáfora por causa do fato de que tudo o que acontecer no alto, por gravidade, chegará até a base. A dúvida é: ninguém até agora se deu conta de que essa cascata pode estar de cabeça para baixo?
Antes que me considerem maluco, vou logo explicando: a água não é – ou não deveria ser – o cargo ou posição hierárquica. A água é o gasto público. O montante que a sociedade oferta na coleta dos impostos e que, por algum motivo insano, os administradores consideram infinito. Logo, a cascata deveria ter no alto os maiores dispêndios, não os maiores salários. E, como o caldo mais volumoso do gasto em pessoal está na soma dos cargos que ganham os menores salários, são eles que deveriam encabeçar a tal cascata.
Assim, para se estabelecer a justiça, os percentuais de reajustes dados à base deveriam ser os verdadeiros balizadores. Se os professores, técnicos de nível médio, policiais e outras categorias que estão na base da pirâmide funcional só podem ser contemplados com X, é o mesmo X que deverá ser aplicados aos grandes salários e aos dirigentes em todos os poderes. Essa seria a verdadeira cascata, e não a atual.
Sejamos mais radicais no raciocínio. Quase comunistas – utopia que pode ser aproximada dentro do Estado simultaneamente com o capitalismo. Como os servidores públicos são empregados de um só patrão (o povo), eis o lugar certo e ideal para amenizar as distorções entre a valorização das pessoas. Na mesma ótica da cascata convertida, o salário de um funcionário público jamais poderia estar balizado pelo andar de cima (presidente, prefeito, governador). O certo seria nenhum servidor ganhar mais do que 10 (ou 20 ou 25) vezes o menor salário da carreira pública. Estude e ascenda. Se não há risco, exista limite.
Claro que tudo isso são palavras ao vento. Nosso sistema político faz com que a República mais se pareça com uma monarquia do que com os regimes que perseguem a igualdade. Aos poderosos não interessa inverter a cascata. Eu ainda acho que só poderia ficar rico – rico mesmo – quem está na iniciativa privada. Os mesmos que perdem seus empregos se forem incompetentes; perdem suas empresas se não souberem administrar; ficam irremediavelmente pobres investindo mal seu dinheiro. Bom, isso se a cascata pública não socorrer numa enxurrada de benefícios. Mas aí já é outro tema.
Ufa. Finalmente consegui jogar todas as palavras ao vento. Aliás, preferiria deixar a cargo do vento decidir os salários. Mesmo que seja totalmente caótico, causando uma tempestade financeira doida, depois vem a bonança. Ela nos trará bons ventos.