O bambu, o carvalho e o livro

Jornal Metro Porto Alegre em 17.07.2013

O BAMBU, O CARVALHO E O LIVRO

Reza a lenda que o magnífico carvalho desprezava o suave bambu, pois bastava uma brisa para este vergar-se em humilde submissão. Ao contrário dele próprio, cuja rigidez enfrentava a ventania sem se dobrar, obrigando o sopro, ele sim!, a mudar de direção. Até o dia em que um furacão mais forte arrancou a frondosa árvore do chão com raiz e tudo. Estranhamente, o frágil bambu, que obviamente deitou seu caule, restou incólume e impávido na calmaria.

Lembrei-me dessa história ao ler notícias versando sobre duas das maiores livrarias norte-americanas em sérios apuros financeiros. A Borders decretou concordata, fechou 200 lojas e demitiu um terço de seus funcionários. A Barnes & Noble, por sua vez, também promete desprender-se do chão a qualquer momento. O furacão que assola o mercado livreiro sopra de dois lados: em um, ganha a alcunha de e-book; no outro, responde por compras pela internet. É bom cuidar com a força desses ventos digitais, pois já passaram pela música e pouca árvore ficou de pé.

Muitos recordaram o filme “You’ve Got Mail” (USA, 1998), que no Brasil se chamou “Mensagem para você”. A trama se passa no fim do século passado, momento em que as grandes redes de livrarias humilham as pequenas lojas de bairro com sua política de preço, seu charme grandiloquente e seu apetite monopolista. Meg Ryan vive o papel de bambu; Tom Hanks representa o carvalho. Vergou-se o bambu, mas ninguém adivinhava o vento que o novo milênio traria consigo.

Agora, carvalhos sentem-se incapazes de resistir ao furacão. Flexibilidade não faz parte de seus atributos. Muito menos humildade. Ao tronco corpulento e galhada farta não basta seiva miúda. E, por mais grossas que estejam suas raízes, o lastro anda pouco. E carvalho não verga –  carvalho tomba, deixando verdadeiro estrago em sua volta. Por mais charmosas que fossem as lojas, sendo grandes corporações, nunca tiveram as longas fibras do atendimento personalizado, típico nas lojinhas que passam de pais para filhos, junto com o amor à arte.

Não me surpreenderei se, passado o furacão que sopra o e-book e as compras digitais, sobrem apenas livrarias bambus. Talvez um que outro carvalhinho jovem, pequeno o suficiente para não tombar, e que precisará se mimetizar de bambu para sobreviver. Novos bambus nascerão, prevejo, quem sabe devolvendo o luxo de o dono atender no balcão, conhecer o nome e o gosto do cliente. Como na música, o futuro do livro talvez esteja no passado.

PS: nesta coluna, completo um ano de Metro. Feliz, espero ter firmado raízes em alguns corações.

 

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