Cinetragédia: Aeroporto 2015

Rubem Penz

Chegou às mãos de renomado diretor de Hollywood o seguinte roteiro cinematográfico: trama na qual as obras de ampliação da pista do aeroporto internacional de uma das mais importantes capitais de um país continental (cidade estrategicamente equidistante das duas maiores metrópoles do continente) sofreram um atraso de 20 anos. Ele folheou e, numa leitura vertical, pescou detalhes como mais de R$ 120 milhões já investidos, cerca de duas mil e quinhentas famílias cadastradas para ocuparem loteamentos (a maioria carente), algumas áreas desapropriadas sofrendo novas invasões, laudos de engenharia afirmando que o piso é inadequado para pousar aviões (desconsiderando o detalhe de que já há uma enorme pista em operação desde os anos 1950) e, se não bastasse, o plano de fazer outro aeroporto internacional inteiro a menos de 50 km de distância com a justificativa de ser mais econômico. Ele olhou para os produtores, pensou um pouco e respondeu:

– Esqueçam, todos sabem que não filmo comédias.

Envergonhados com a reação, trataram de alertar que o roteiro não era de uma história de trapalhadas. Foi quando o diretor deu mais umas folheadas e respondeu:

– Esqueçam, já fiz filmes de gangster, um deles até me rendeu Oscar. Outro não me acrescentaria nada ao currículo.

Assustados com a reação, trataram de alertar que o roteiro não era de um filme de máfia. Então, o diretor repousou a mão sobre a capa, tamborilou com os dedos e respondeu:

– Esqueçam. Para filmes de realidade mágica há outros diretores mais adequados. Posso indicar pelo menos dois.

Espantados com a reação, trataram de alertar que o roteiro não era de um filme fantástico. Mas o diretor devolveu o volume para as mãos dos produtores e respondeu:

– Reconheço que filmes de conspiração até estão em bom momento. Façam-me o favor de trazer uma história mais crível e filmarei.

Temerosos com a reação, trataram de alertar que a história não era uma intrincada trama para derrubar governos. O diretor resolveu perguntar:

– Se isso não é uma comédia, não é sobre máfia, não se trata de fantasia nem de conspiração, que raio de roteiro é esse?

Para surpresa do diretor, os produtores disseram ser um filme baseado em fatos reais. Imediatamente foram postos porta afora: ele não era palhaço de acreditar em tanta sandice numa só história.

Crônica publicada no Metro Jornal em 20.01.15

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