O triste fim do papel carbono

Rubem Penz

Era uma vez, num país distante, um singelo papel carbono. Nascera assim. Seu pai, de quem tinha orgulho, foi por toda vida um típico papel carbono. Sua mãe, também. E todos os seus irmãos, igualmente, passavam adiante tudo o que os impressionava. Tradição de família. Na descrição do pacote (sua certidão de nascimento), lá constava seu nome, papel, e sobrenome, carbono. Por isso, ele não estava neste mundo para destinos complexos. Nada de interpretar, questionar ou interferir. Se na folha de cima escrevessem “A”, era “A” que apareceria na folha de baixo. Igualzinho, sem tirar nem pôr.

Havia quem falasse mal dele, mas nosso carbono era todo orgulhoso de si. Sou um veículo de transmissão perfeito! – dizia. Era fiel como um cão adestrado, desde o primeiro ao último traço. Sem sombra de dúvida, nada suprimia ou acrescentava. Tampouco retinha as informações: só conheceria o conteúdo quem tivesse acesso à folha de cima ou de baixo. Ainda mais na medida em que fosse sendo usado. Para quem nunca viu, sobre o papeis carbonos repousam muitas palavras sobrepostas, cujas pegadas se confundem no verso. E nada consta na frente, normalmente ilustrada com formas geométricas. Era essa sua rotina: a de ser um papel discreto.

Um dia soube que o Ministério Público havia instaurado uma operação com nome bacana e que envolvia o escritório onde ele trabalhava. Imediatamente a Polícia Federal o levou preso para interrogatório. Você conhece ela? – quis saber o delegado, mostrando claramente sua tinta sobre o papel sulfite de uma cópia documental (nessa altura, mais pálida do que nunca). Sem poder negar, o papel carbono se defendeu dizendo que sim, mas fizera apenas seu trabalho, e que ele próprio não respondia por aquela ou qualquer outra informação nela contida. Que procurassem o documento original para sanar as dúvidas, caso houvesse. Pois este dissimulado tratou de sumir – respondeu o delegado.

No transcorrer da investigação, a cópia, por ser mera cópia, foi arrolada como testemunha no processo. Sobre o documento original pairou um eterno mandato de busca. Até a Interpol foi acionada, ainda que sem sucesso (há quem diga que esta laia de originais nunca deixa o país). E nosso triste carbono, com suas digitais espalhadas por todo lado, segue preso. O advogado ainda tentou um relaxamento alegando ser ele óbvio inocente. Sejamos justos, meritíssimo: o pobre não passa de um incapaz, um laranja nestes crimes! – apelou o injuriado causídico. Sem o menor sucesso. Preso está, preso ficará.

Moral da história 1: inocência, quando útil, ao invés de livrar, condena; moral da história 2: presos, no duro, ficam apenas os intermediários; moral da história 3: também aqui é proibido mencionar as mãos que portam as canetas.

Crônica publicada no Metro Jornal em 27.01.15

gostou? comente!

Rolar para cima