Douradas idas e vindas do Verão

Rubem Penz

Nunca mais a expressão “o essencial é invisível aos olhos” merecerá tão comezinho emprego, mas não posso deixar de utilizá-la para comentar algo que senti ao contemplar as idas e vindas do Verão. No caso, não me refiro à estação do ano, e sim à personagem de uma animada propaganda de cerveja. Explico: os criadores da peça publicitária nos convidam a acompanhar o movimento de uma morena brejeira com seu generoso uniforme enquanto leva o líquido dourado às mesas de um quiosque de praia. E os rapazes dizem: vai, Verão… vem Verão.

E qual seria a novidade? O que haveria de excepcional? Acontece que o corpo rebola para lá e para cá, o vento sopra e a moça se reclina, tudo sem revelar nada além do pernão e de uma promessa de nádega (perdoem eu chamar o que se insinua de nádega). O resultado é a ávida espera pelo próximo intervalo comercial na expectativa de que, sei lá, não tenhamos dado a atenção certa, ou o vento sopre mais forte, aconteça a mágica de mudar o filme, ou o tecido suba um milímetro a mais do que na vez anterior.

No começo, cogitei ser coisa minha. Mais tarde, soube de um camarada que chegou a deitar no chão da sala na esperança de enxergar o que o movimento prenuncia e nunca cumpre. Foi quando pensei na existência de um maquiavélico editor de imagens capaz de manipular o filme artificialmente para ocultar a essência em busca da audiência. Afinal, cresci com este fantasma: no tempo da ditadura, os censores pediam para recortar as fotos e mandavam apagar algumas partes anatômicas por considerá-las impróprias até nas revistas confessadamente impróprias.

Antes de ser crucificado pelas feministas, recorro ao fato de que uma das mais conhecidas e executadas músicas brasileiras de todos os tempos, cuja letra foi composta por um extraordinário intelectual e poeta de sua geração, nasceu da mesmíssima e triste história de homens viris. Olhar uma moça do corpo dourado no doce balanço é algo reverente. É, também, prova de submissão (mais até do que de cobiça). Por fim, é inevitavelmente mais forte do que nossa razão (ela diz: eles só estão recorrendo à vil exploração de corpos em busca de vendas). Viram como eu sei o que se passa?

Por falar em passar, passaremos frio com o avanço do outono e, provavelmente, deixará de passar na TV a propaganda do Verão. Se fosse jurado, eu daria correndo a ela um Leão de Ouro em Cannes. Menos pela ideia, mais por causa do efeito hipnótico da execução da ideia. E pela beleza que não é só minha, como diria Vinícius.

Crônica publicada no Metro Jornal em 05.05.15

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