Rubem Penz
Polícia! Para quem precisa!
Polícia! Para quem precisa de polícia!
Tony Bellotto
Uma ordem, qualquer ordem, traz consigo diversos desdobramentos relacionados. Quando dizemos ao filho pequeno “não põe a mão no fogo”, tal ordem contém as consequências: vai doer muito, queimar a pele, levar ao hospital, deixar cicatrizes para o resto da vida… A partir da ordem de alerta, as consequências podem (vão!) acontecer, isto é, estão autorizadas. Descuidar do alerta é “pedir” pelas consequências.
Pensava nisso ao escutar pela enésima vez uma autoridade de segurança pública em entrevista ordenar ao cidadão “não reaja ao assalto, sua vida tem mais valor”. Essas palavras são escutadas por todos, cidadãos honestos e bandidos. E, de forma nem tão oblíqua assim, estão autorizando o assassinato de quem reage, esboça reação, parece demonstrar resistência, move-se com imprudência, olha torto, pensa alto, etc. Nesta lógica, ao reagir, “pedimos” para levar tiro, facada e soco.
Ao apontar a ordem de não reação, as autoridades miram na preservação da vida e acertam, simultaneamente, um pacto nefasto: na mente do criminoso, reagir é desobedecer a ordem. “Como assim, não vai me entregar a bolsa?”, e a violência está autorizada. Vítima e agressor trocam de papéis. Resistir passa a ser ato subversivo. A ordem é não reagir, você não viu na TV? O assaltante pode (pode?!) punir quem reage com a subtração da vida. A combinação é: um rouba aquilo que foi comprado com o suor do rosto, o outro entrega passivamente.
Mal comparando, ainda assim comparando, em outros países as casas podem ficar abertas e ninguém entra, porque o que “não pode” é invadir. Quem desobedecer essa ordem pode ser preso, condenado e cumprir longa pena. E, pior, pode sofrer a reação do dono da casa que está autorizado até a matar. Já pensou, que horror? Lá, enfim, um latrocínio é o sinal de que o certo falhou e o errado prevaleceu. Não é o paraíso, mas está bem distante deste nosso inferno em que as autoridades evitam sair de casa à noite, como em toque de recolher.
Pensei mil vezes antes de escrever sobre o tema. Sério. Tenho receio de ser interpretado como quem incita a violência – logo eu, um homem forjado na preservadora paz dos miúdos. Ou ser confundido com quem quer o retorno de um governo “forte e moralizador”, aos moldes de uma ditadura. Receio, aliás, que nasce deste momento de radicalização. Todavia, miúdo, pacífico e democrata, sim, mas não covarde nem obtuso. Para mim, a política da passividade preserva apenas a incompetência do Estado em cumprir seu papel.
Crônica publicada no Metro Jornal em 28.07.15