A volta dos que não foram

Rubem Penz

Quando a imprensa local destaca a existência de aglomerações em torno de rachas automobilísticos durantes as madrugadas nas avenidas da cidade, a impressão que tenho é de ter entrado na máquina do tempo. Ao ver imagens de motociclistas fazendo provas de habilidade e rapidez no meio dos carros, pareço ver na TV uma gasta reprise vespertina. No momento em que isso alcança o noticiário nacional por causa de um grave acidente envolvendo pedestres sobre a calçada de um parque, a coisa ganha ares de pesadelo recorrente. Por ingenuidade, pensei que já tínhamos virado essa página (policial).

Para fins de raciocínio, cito atitudes tidas como corriqueiras em outros tempos, hoje inaceitáveis: professores castigando fisicamente alunos, fumantes tornando irrespirável o ar em ambientes fechados, crianças de pé no banco da frente do automóvel, sexo casual sem preservativo. Ninguém em estado normal de consciência imagina que devemos repetir maus hábitos em nome dos “bons e velhos tempos”. E eu jurava que os rachas pelas ruas também faziam parte da lista acima. Correr (perigo) é seu plano? Ótimo! Desde que não ponha mais ninguém em risco. Há hoje provas amadoras em pistas profissionais exatamente para quem ama os desafios da velocidade.

Eu sei – não se apaga facilmente o instinto de carneiros baterem suas cabeças para ver quem é mais macho. E homens têm lá seus rituais competitivos. Mas alguém precisa avisá-los de que as melhores fêmeas da espécie estão interessadas em outras habilidades, bem diferentes do clássico “vamos ver quem chega primeiro”, estratégia válida no jardim de infância. Desafiar a polícia, ao mesmo tempo, é outra infantilidade tosca. As autoridades defecam para a boçalidade dos participantes de rachas. Sua obrigação é proteger a segurança das prováveis vítimas, além do sono de quem more perto. Até por isso, achei que tínhamos crescido.

E agora rachas, brigas de torcida, trotes violentos… Até quando será notícia a volta do que já foi, passou, entrou para o lixo da cidadania? Como pode uma geração muito mais informada, culta e bem nutrida persistir nas armadilhas da ancestral testosterona? O que faz um tonto dar plateia para quem está tão para trás? Meninas (superempoderadas), ajudem nossos rapazes: não acompanhem estas hordas em postos de gasolina. Com sorte, os menos lentinhos vão se dar conta de que eles, filhotes bastardos de velozes e furiosos, não passam de “mulheres do padre”.

Crônica publicada no Metro Jornal em 05.04.16

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