Nos giros da madrugada

Rubem Penz

Decúbito dorsal, desperto. Sonhava. É incrível como há sonhos que roubam nosso sono. Sonhos confusos como só eles sabem ser: misturam-se pessoas, tempos, lugares. Quem está não poderia estar; ao ver, não se crê; onde é, nunca foi. E, pior, tudo faz sentido. Somos todos Alices no país.

Decúbito lateral esquerdo, razão: não deveria estar de barriga para cima. Por alguma lógica obscura, só deste modo recordo dos sonhos. Dar as costas a um lado é como não sonhar. Um cão de pequeno porte ladra em alerta. Outros, ao longe, retrucam. Teria sido ele quem me acordou?

Decúbito ventral, o cansaço oprime contra o travesseiro. A madrugada pesa mais quando damos a ela as costas. Parece ter uma massagista oriental sobre as espáduas. O cão não sossega, mas, agora, ele se transformou em companhia. Conto os latidos. São treze encarreirados. Ou quatorze. Cada vez menos respostas. Menos.

Decúbito lateral direito, tentação maior do que juízo: olhar o relógio. Duas e trinta e dois. É ruim. Poderia ser pior – às quatro horas, a chance de dormir novamente seria escassa. Quem sabe assumindo a posição fetal? Vale a tentativa. Faz frio fora das cobertas. Encolhido, porém, faz calor demais.

Decúbito dorsal, repassar a semana. Nela, gira o mês. Impossível deixar de pensar nas contas – precisam fechar. E será junho. Junho? Junho! Minha vida é regida por semestres. Calma. Está tudo andando. Sempre poderia estar melhor. Sempre poderia estar pior. Três reuniões já marcadas. Projetos novos. Alguns, antigos, parados. Isso não é bom.

Decúbito lateral esquerdo, muita calma e vagar: insônia é solitária. Caso contrário, cresce a culpa. E se beber um pouco d’água? Preguiça. E se levantar, em busca de algo mais produtivo? Preguiça. O sono virá. Seis horas por noite, dá. Sete, ideal. Oito? Raro.

Decúbito ventral, volta o peso. Desta vez traz consigo meu velho zumbido interno. Ele se agiganta no silêncio – onde andará o cão? Sumiu o garnisé do vizinho? Sabiás, só em setembro. Troco zunido ininterrupto por latidos esparsos, cacarejos, pássaros madrugadores. Esvaziar a cabeça. Como, com tanto barulho na calada?

Decúbito lateral direito: o lado do relógio. Evitar é ruim. Olhar é pior. Decúbito dorsal: pense no dedão do pé; pense no calcanhar, na canela, no joelho. Joelho começa com j, de junho – junho!. Decúbito lateral esquerdo, um aconchego. Decúbito ventral. Decúbito…

Cinco e cinquenta e oito, diz o radialista cheio de ânimo. Sim, eu dormira. Uma boa notícia. Há os que perderam de vez o sono.

Crônica publicada no Metro Jornal em 31.05.16

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