Brás, de Brasil

Rubem Penz

Cenário de guerra, fim do mundo, vergonha. Lixo por toda parte. Descaso. Falta de educação. O melhor e o pior tão juntos, tão completamente colados, que é legítimo pensar: por que não fazer só o melhor, se todos sabem como e por quê fazê-lo? Parece que estou me referindo à Olimpíada do Rio, né? Cabe feito luva de esgrimista, é um tiro na mosca como o do arqueiro, palavras firmes com as mãos que seguram o corpo nas argolas. Porém, estou falando da Feira Itinerante do Brás, recém acontecida no quintal da minha casa, por assim dizer.

Morar no Condomínio Cantegril, como moro, traz algumas distinções. Para chegarmos em casa, eu e meus vizinhos passamos por dentro do clube homônimo e, nele, por vezes, há cenários intrigantes. Festas temáticas no salão principal, acampamentos de escoteiros, provas de hipismo, promoções de montadoras de automóveis. Feiras, também. Até hoje, tinha visto apenas as mais singelas, promovidas pelos próprios moradores (Feira de Mães, Feira de Páscoa, Feira de Natal). Neste final de semana foi diferente: o clube sediou a reconhecida Feira Itinerante do Brás.

Impossível não reparar, pois, de tão grande, ocupava uma das faixas de rodagem. Eram centenas de comerciantes com seus preços atrativos em busca de consumidores ávidos por uma bagatela. Isso, sem dúvida, é o que se pode esperar de melhor: produção e comércio catapultando resultados em busca de esquecer a crise. Pujança, movimento, criatividade. Havia cruzado com eles pela última vez domingo à noite, alguns já ocupados no justo balanço. Segunda-feira, cedo da manhã, não tinha vivalma. Creio que outro município já os aguardava; imagino o bom cansaço do dever cumprido; espero de coração que tenham êxito. A lamentar, profundamente, a falta de educação, de higiene, de civilidade que restou no caminho.

Os tantos metros ocupados pelos feirantes deixaram de brinde um cenário de devastação maior, proporcionalmente, ao da tragédia das areias de Copacabana pós-réveillon. Parecia-se com as imagens do rescaldo de um tsunami, com um ataque de nuvem de gafanhotos, com um lixão a céu aberto. Curioso: bastaria a cada um recolher seus poucos despejos e, feito mágica, deixariam o local organizado. Mas é Brás, Brás de Brasil. País cujas mazelas perpassam classe social, nível de escolaridade, cor, idade, gênero. Por que não nos surpreendem os problemas do Rio, nosso mais belo cartão postal? Porque lidamos num cotidiano de sucessivas decepções. O que vi foi um grito, mas a mesma mensagem me sussurra cada vez que deixo a sala de cinema, por exemplo. Há uma maratona inteira de educação pela frente. E estamos na rabeira.

Crônica publicada no Metro Jornal em 26.07.16

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