Violência, esgrima e xadrez

Rubem Penz

O embate entre dois esgrimistas pode ser definido como a aceleração extrema de uma partida de xadrez. Os deslocamentos espaçados no tabuleiro, dependentes do tempo demandado por cada um dos oponentes para montar suas estratégias, espelham-se num mísero segundo na ponta do florete. Guarda, ataque, defesa, contra-ataque e antecipação são os movimentos e posturas treinados para serem disparados com a rapidez da fotografia na esgrima e, no xadrez, na delicada precisão dos entalhes do escultor. Não se vence uma ou outra disputa com ações invertidas ainda que, na essência, se irmanem.

Dito isso, acredito ser tão inócuo combater a contundência do florete que mira nosso coração com a velocidade do jogador de xadrez, quanto pretender a vitória na metafórica batalha do tabuleiro com o açodamento do esgrimista. Muitas discussões sobre violência falham aí.

Por exemplo: dirimir a desigualdade social, criar oportunidades menos excludentes, investir em educação e cultura, cultivar valores éticos e evitar preconceitos são todas estratégias de combate à violência para serem executadas no âmbito (e na velocidade) de um jogo de xadrez. Incluo aí o aprimoramento e aplicação das leis; a educação escolar e profissionalizante; a estabilidade econômica; a correta estrutura prisional; o reforço das múltiplas atividades de inclusão em áreas conflagradas; os programas para prevenir o uso de entorpecentes ou a gravidez indesejada, entre outras tantas.

Por outro lado, neutralizar um infrator inescrupuloso, armado e disposto a causar danos irreparáveis é algo para ser realizado na velocidade (e no âmbito) típico da esgrima. Aqui se encontra a função institucional do policiamento nas ruas, dos escrivães e delegados, do Juiz plantonista. Não há tempo a perder: é bala contra bala, efetivo versus efetivo, reações instantâneas e proporcionais. É prisão. É morte. É horrível? Sim. Muito! Porém, seria de uma ingenuidade patética imaginar que, ao escolher o caminho da agressão, o bandido armado duvidasse dos riscos.

A violência é fato. E creio existirem contra ela duas disputas simultâneas e complementares (jamais excludentes) em curso: uma de xadrez, outra de esgrima. O Estado e a sociedade não podem abrir mão de agir nas duas esferas, cada qual com seu modus operandi. Não há tempo diante do bandido armado, nem solução instantânea para a desigualdade social. É preciso estar do lado certo em ambos os casos, sem retórica nem contemporizações. Nem direita, nem esquerda. São vidas a proteger.

Crônica publicada no Metro Jornal em 30.08.16

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