O algoritmo dos sonhos

Rubem Penz

Então, para orgulho dos robôs e desespero de Freud, criei a possibilidade de interferir nos meus sonhos com bases em algoritmos, a exemplo do que acontece na realidade virtual (o que guarda algum sentido, pois, o que mais seriam os sonhos senão uma realidade virtual pré-tecnológica?). Funcionaria assim: acordei, lembrei do sonho, curti ou não curti. Com isso, meu subconsciente começaria a combinar temas, cenas, pessoas e lugares para, com base nos “likes”, evitar certos sonhos, priorizando outros, melhorando a coisa toda para meu bem-estar.

Então, o que parecia ser algo bobo, foi-se tornando útil. As primeiras vítimas foram os pesadelos: tudo o que assusta, perturba, causa vertigem ou asco findou mal avaliado e posto à margem. A segunda vítima foi aquilo que se costuma chamar de “sonho maluco”: pessoas fora de contexto, paisagens fora de lugar, sentimentos fora de ordem. A terceira vítima – sonhos eróticos – extinguiu o constrangimento de eu beijar quem não posso, não quero, não devo. Por fim, o último a cair da cama foi o sonho vexatório: nunca mais estar só de cuecas numa festa.

Então, o que parecia ser algo útil, foi-se tornando prazeroso. Os mortos foram aparecendo apenas para aconselhar, nunca mais assombrando; os ambientes se tornaram luminosos e cálidos, livres das sombras; as companhias de alcova, em relações absolutamente consensuais, eram as autorizadas pela moral e pelos bons costumes; cada rua respeitava o mapa, cada sala estava em sua casa, cada objeto tinha a gaveta certa. Estivesse eu onde estivesse, estaria de acordo com o “dress code”. As eventuais angústias cederam espaço para uma segurança morna; no lugar das velhas batalhas, da beligerância, dos conflitos, reinou a paz.

Então, o que parecia ser algo prazeroso, foi-se tornando assustador. A perfeição passou a soar falsa – a superfície idílica construída pelas curtidas, sempre em condições normais de temperatura e pressão, mal disfarçava um fundo lodoso. Pior: o tédio atiçava uma curiosidade de fronteiras, e o enfado era interrompido por sutis fisgadas na ponta dos pés, notícias inconvenientes das profundezas da alma.

Então, o que parecia algo assustador, foi-se tornando impraticável. E, nos novos Adão e Eva surgidos do sonho dos robôs, nasceu a vontade de fugir do inferno que se tornara o paraíso. Viver outra vez na incerteza, na contradição, na carência. Ter medo, sentir vergonha. Desejar. Devolver ao subconsciente a condição dolorida, terapêutica e revolucionária do inesperado. Indicativa – ou denunciadora – de minha humanidade.

Então, só de sacanagem, comecei a curtir tudo ao contrário.

 

Crônica publicada no Metro Jornal de Porto Alegre

 

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