Rubem Penz
Sou fã confesso e público da frase que contém enorme poder de síntese. Persegui sua criação durante todo o período em que fui redator publicitário e, hoje, na literatura, sigo no encalço da lapidação, do enxugamento, da composição frasal. O slogan aqui utilizado como título, o qual tomou conta das redes sociais, dos sites, jornais, reportagens, fotos e camisetas, é um brilhante exemplo de síntese: em si, em pouquíssimas palavras, concentra tudo o que deve ser dito para combater o assédio sexual.
E, afinal, o que deve ser dito? Primeiro, conclamar a ação oposta à perpetuação da violência: sua publicidade. Fosse por acreditar que “os homens são assim mesmo”, fosse por vergonha ou por medo, a maioria das mulheres guardaram para si a dor de ter sua integridade invadida. Para piorar, muitas vezes terminaram levadas a crer na culpa da vítima: em alguma medida, sua roupa, seu comportamento – até mesmo a simpatia! – serviram de incentivo aos homens se passarem. Enquanto acreditarmos que só as moças recatadas “se dão ao respeito”, estarão expostas ao desrespeito todas as demais (e o conceito de recato abriga toneladas de repressão).
Diz a frase, também, ser chegada a hora da união. Em grupo, as mulheres encontram força mais do que suficiente para reverter a imposição física e psicológica do machismo. Sobre o estupro, por exemplo, dizem os especialistas que as chances de escapatória sobem muito se a vítima consegue gritar: no fundo, o agressor sabe que não pode fazer o que pretende. No raso, teme ser flagrado (e condenado) por isso. Quando a denúncia contra a violência encontra eco, reverbera e se multiplica em muitas outras vozes – quando o grito é coletivo –, se faz ouvir até mesmo pela mais surda tradição. Ah, contra todas ninguém pode!
Porém, há mais um significado menos evidente e não menos formidável contido neste slogan, sobre o qual pouco se tem falado. Veja: ‘Mexeu com uma, mexeu com todas’ define precisamente o machão que não reconhece limites. Ele, em sua régua torta, mediu todas suas relações, ainda mede e seguirá medindo enquanto não for corrigido. Assim, a oração diz, nas entrelinhas, que o assédio não foi por causa de você, mulher: foi por causa dele. E não foi com uma: será com todas. Quem busca uma oportunidade ou, pior, uma justificativa para o abuso, disfarça sua natureza pouco evoluída. Quando não a absolve. E isso precisa parar.
Rapazes, comemorem, há nisso tudo ótimas notícias. Ser um homem educado e atento mexe com o coração das meninas. E, para nosso bem, mexeu com uma, mexeu com todas.
Crônica publicada no Metro Jornal em 11.04.2017