Rubem Penz
Hoje a casa resolveu conversar comigo. Talvez ela nunca tenha se calado, eu apenas estivera desatento. Ontem ou anteontem, o que havia de diferente? Ganhamos novos silêncios? Sei lá… Por isso considerei a casa como protagonista: é ciosa dela. Ela reservou isso para hoje, para mim. Para nós.
Começou com a escada. Em ferro e madeira, costuma estalar vez por outra. As leis da física certamente darão os porquês. O problema é que existem estalos e ESTALOS. Aos primeiros admito a submissão aos ditames da termodinâmica, da acomodação de materiais etc. Alguns tantos decibéis acima, para ser bem científico, a porca torce o rabo. E eu, como estava no andar intermediário na hora, e a escada tanto desce ao térreo quanto sobe ao sótão, tentei descobrir de onde viera o estalo. Em vão (perdoem o inevitável trocadilho).
Antes, corrijo-me, veio a luz dar seu cálido palpite. A porta-janela da sala onde escrevo tem orientação ao norte. Assim, desde o outono recebe generosas porções de luminosidade por causa do movimento do nosso planeta em relação ao sol, isso para os que, como eu, habitam o Paralelo 30. Menos hoje. Cedo, havia poucas nuvens e, numa situação normal, nem poderia estar com as cortinas todas abertas (para preservar os móveis, as lombadas dos livros e a televisão). Mas a sala estava escura mesmo com a janela escancarada. Foi neste estranho lusco-fusco que escutei a escada estalar. Muita coincidência.
Mas ainda não fora o suficiente para roubar minha atenção. Precisei descer até a cozinha no intuito de aquecer mais água para o mate. No ínterim, à espera do chiado da chaleira, enquanto desocupava o secador de louça para bem aproveitar o tempo, a janela produziu um som semelhante a um rangido. E daí? Daí que janelas de PVC não rangem. Ainda mais que nem ventar, ventava. E, ao virar para dar atenção, a geladeira e o freezer ligaram ao mesmo tempo. Como? Por quê? Muitíssima coincidência.
Sim, sou impressionável. Em parte, quem sabe por ter vivenciado algumas experiências, digamos, extra-sensoriais nessa vidinha. Motivos de sobra para acreditar que nunca estamos a sós. Pior: fiquei ressabiado por não conseguir compreender os sinais – o que a casa quer me falar? São boas ou más notícias? Devo me preocupar? Oh, dor…
Post scriptum: pela primeira vez estou bem feliz com a chegada dos pedreiros no terreno aqui ao lado. Graças a Deus uma casa em obras fala muito, muito mais alto. Vão martelos, serras, betoneiras. Hoje vocês são música.
Crônica publicada no Metro Jornal em 25.04.2017