Quem precisa de terremotos?

Rubem Penz

Uma tese a queima-roupa: nosso país é o campeão mundial em desperdício. Para desenvolvê-la, lembrarei da piada na qual um anjo, assistindo Deus distribuir riquezas e mazelas pelo planeta, nota que ao Brasil são destinadas mil farturas e quase nada de ruim. Ao ser questionado, o Criador diz: “Esperai para ver o povinho que colocarei lá…”. Eu, com todo respeito aos pares, mudaria o final da piada: “Esperai para ver a elite (lato sensu) que colocarei lá…”. Oposto ao que se possa imaginar, defendo esta alteração absolutamente livre de ranços ideológicos ou de visão social maniqueísta. Assim, vejamos:

Contrariando as manchetes de jornal, o maior desperdício brasileiro não é de recursos minerais, de energia, de alimento, de dinheiro ou qualquer outro bem material. Desperdiçamos pessoas numa proporção cavalar. E tudo o que desperdiçamos se transforma em custo, não em benefício. Desprezar o potencial de trabalho, de inteligência e de talento da maioria da população é um equívoco inominável. E os responsáveis por isso estão na elite, jamais na base. Estão no comando das empresas, das universidades, dos governos de todas as instâncias – cargos ocupados, diga-se, por quem teve muita chance na vida.

Governos assistencialistas e gestores gananciosos se irmanam no ápice da (ir)responsabilidade. Ambos apostam na miséria alheia para benefício próprio. É apenas quando vemos o resultado de pontuais programas de capacitação nas comunidades pobres que compreendemos o quanto o descuido é nefasto para o desenvolvimento nacional. Domingo, numa entrevista a um programa de TV, uma musicista erudita advinda de uma das mais miseráveis e conflagradas favelas cariocas acertou na mosca: nossa maior carência é de oportunidades. Sobre isso, reitero: jogamos no lixo mentes, braços e corações brilhantes, desperdiçando talentos em todas as áreas do conhecimento. Desperdício, volto a dizer, é custo, e é caro.

Investir em educação e cultura é a única saída para dirimir o apartheid social que conflagra a coletividade. Na contramão desta premissa, os próceres SMED (Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre) colocaram em xeque o premiado e reconhecido programa Adote um Escritor, parceria com a Câmara Rio-Grandense do Livro, que destina verbas para comprar obras e levar os autores para perto dos alunos e mestres da rede municipal de ensino (procure saber). No aperto, ao invés de cortar privilégios do andar de cima, ceifam sem piedade uma rara oportunidade de aprimoramento educacional para os necessitados. Como assim? Quem precisa de terremotos com decisões como essa?

Crônica publicada no Metro Jornal em 01.08.2017

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