Sem badalação
Rubem Penz
Nem sempre paramos para pensar nas palavras e nos seus sentidos originais. Por exemplo, badalação. Sinônimo um pouco fora de moda de ostentação e agito, qualifica um lugar ou momento de enorme repercussão. Ah, todos queriam frequentar as festas mais badaladas. E, descendo para sua raiz, lá no alto está o badalo, a esfera de metal encarregada de percutir o sino. Só quem já esteve dentro do campanário sabe o estardalhaço da ação do badalo: a badalação.
Muito justa a analogia. Outrora, o sino era uma espécie de WhatsApp da comunidade. Ao invés de soar em nosso bolso – no smartphone –, soava na torre da igreja. Também não estava assim tão ao alcance das mãos a notícia que vinha com ele: era preciso ir lá na venda para se informar melhor. Por exemplo: “Morreu o Dr. Afrânio, manda ligeiro o guri tocar o sino!”. E todos receberiam o estrondoso plim-plom. Tecnologicamente menos avançado, fosse em carrilhão ou solitário, o soar do sino compunha um grupo de Whats impossível de silenciar. A não ser que…
– Roubaram o badalo, senhor – grita o guri, faces rubras, correndo de volta.
– Como assim, guri!? Tem certeza?
– Tenho, claro. Fui puxar a corda e ela desceu toda na minha cabeça. Se não pulo de lado, acompanharia o Dr. Afrânio na passagem – responde, ainda arfando, o guri tão rápido no raciocínio quanto nas pernas.
– Vai ver só soltou o nó…
– Pensei nisso, senhor. Peguei a ponta da corda, amarrei na cintura e subi até o alto da torre. Perdão o pecado, pois a corda é do sino, o sino é da torre e a torre é da igreja, mas aviso que ela pesa que é o diabo…
– Encurta a história, guri. Conta logo.
– Como ia dizendo, foi um sacrifício, mas cheguei lá em cima. O sino, grandalhão, bem no lugar. E nada do badalo. Sumiu.
– E agora? Como vamos avisar do velório do homem?
– Quem sabe sinais de fumaça, senhor?
– Não dá, não dá – diz o homem retirando a cartola e coçando a cabeça. – Ninguém mais usa isso. Tipo Orkut: já foi.
– Tambores?
– Pior: Myspace.
– Bom – diz o menino tirando o boné da cabeça e imitando o senhor –, não tem saída. Teremos que ir de endereço em endereço.
Enquanto isso, na casa da dona Philomena, a paz reinava. E ela, famosa pelo azedume, fazia seu crochê com um sorriso nos olhos bem acomodada na cadeira de palhinha da varanda. A ponto de a filha estranhar.
– Que tão feliz hoje, mamãe?
– Não ouviu o silêncio, Gardênia? Que delícia. Nem sei por que demorei tanto para mandar o Juvêncio desligar o sino…