Aos que têm sempre uma música na cabeça

Aos que têm sempre uma música na cabeça

Rubem Penz

Você aí, tem? Eu tenho. E varia, varia muito – pode ser aquele tema chiclete que alguém do rádio lembrou mais cedo (Prince toca agora em meu nunca o silêncio), pode ser sobre algo que li, pode ser o assalto de uma lembrança. Gatilhos são variáveis. Invariável na mente são acordes e melodias e letras e refrões e, às vezes, só um pedaço da música que eu nem sei direito, ou gosto, ou fez parte da minha história e – que fazer? – começa a tocar em looping incessante. Qualquer uma. Até ser substituída, pois, como disse, sempre há uma música na cabeça.

Isso é tão presente e constante e certo a ponto de eu estranhar muito quando alguém diz ser diferente consigo. Como assim? E o que, ou quem, ocupa este lugar: Marília Gabriela, Bonner, Bial? Datena!? Neste time, ainda preferiria o Boechat (bateu uma melancoliazinha, aqui), apesar de achar meio ridículo reprisar informações e notícias para ocupar a mente. Aliás, o espanto nasce de uma necessidade quase incontrolável de me distrair enquanto dou um saudável tempo para minha própria voz interior, aquela nascida para atrapalhar as atividades comezinhas. Sim, paro o que estou fazendo para pensar e isso é deveras improdutivo. Como exceção, as caminhadas: estas funcionam como organizadoras de pensamento.

A música tanto ocupa as vilosidades dos miolos, a ponto de eu sabê-la sem saber que sei.

Um dos sinônimos para alguém apatetado é “cabeça oca”. Eis algo ausente no rol de meus defeitos. Ainda bem – alguma coisa haveria de estar de fora. Ou, no caso, por dentro. A música tanto ocupa as vilosidades dos miolos, a ponto de eu sabê-la sem saber que sei. E como sei disso? Por causa das quatro ou cinco pastas repletas de temas que meu amigo e parceiro Cláudio Vera Cruz levava consigo no tempo em que fazíamos uma dupla na Calçada da Fama, mais especificamente no Café do Porto. Ali estava quase todo repertório ocidental, com alguma ênfase para a MPB a partir dos anos 1950, e o rock e o pop internacional. Ele nem avisava qual seria a próxima e, pasmem, eu sabia acompanhar. As músicas, ao menos suas divisões, estão todas na minha cabeça.

Pois, a sogra passou o final de semana conosco. E, horas tantas, disse “uma moeda por seus pensamentos”. Parei. Olhei para ela sem entender. Explicou-me que costumavam falar assim quando uma pessoa estava vocalizando baixinho uma música com aquele som feito só na garganta, a boca mantida fechada. Para ela, e talvez para quem a ensinou, tal atitude significava estar absorto, com os pensamentos longe, aéreo. Tanto, a ponto de despertar a curiosidade. A penny for your thoughts, na versão em inglês. Foi quando me dei conta: por essa lógica, eu e todos os que têm sempre uma música na cabeça (você tem?) oscilamos entre a riqueza incontável e a miséria absoluta. A primeira se, em verdade, recebêssemos um couvert artístico por nosso pensamento. A segunda, caso devêssemos direitos autorais.

– Humm hum hum, humm hum hum… (Purple rain, pourple rain…)

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