Maria, José e o casaquinho

Maria, José e o casaquinho

RubemPenz

Às vezes a memória falha, mas essa história, se ela não me trai, foi contada pela Marina Colassanti em uma Feira do Livro pouco mais do que uma década atrás. Estavam ela e Affonso (Romano de Sant’Anna) na cidade e fazia um calorzinho suave, típico das meia-estações. Antes de sair, ao olhar pela janela do hotel, ela reparou que homens e mulheres “nativos” levavam um agasalho leve nos braços. “Vamos pegar um casaquinho”, teria dito ao marido. Quando ele argumentou que estava quente, ela contou o que havia visto lá fora. “Tantos não podem estar enganados”, argumentou sem necessariamente conhecer o fenômeno meridional da amplitude térmica.

Às vezes o cavalheirismo falha, em outras ocasiões é até mal-visto ou mal interpretado, mas incontáveis vezes na vida despi o blazer em favor de mulheres com vestidos leves assoladas por um vento mais severo ou o sereno da madrugada. Dirão: sempre com segundas intenções, seu sem-vergonha! Sobre isso, duas coisas: primeiro, a escolha de um vestido leve, por acaso, não poderia igualmente conter segundas intenções? E, segundo, os momentos em que o gesto foi de simples solidariedade não absolvem o homem de julgamentos sumários? Pois, afianço: muitos casos aconteceram por gentileza desinteressada.

No mais das vezes as generalizações falham, eu sei. Mas escolhi essas duas passagens para comentar uma das diferenças que noto entre homens e mulheres. Elas, importantíssimas da porta de casa para dentro. Eles, fundamentais da porta de casa para fora. Percebo nas ações preventivas um ânimo mais feminino e nas reações pontuais o florescer da natureza masculina. Ambas são formas de zelo, ainda que muito diferentes entre si. Espera-se da mulher a antecipação aos problemas, tal como não sair à rua sem levar um casaquinho. Dos homens, uma atitude resolutiva aos problemas quando já presentes, tal como abrir mão de seu conforto em favor de alguém fragilizado.

Claro que homens podem prevenir aqui e ali, e mulheres remediar a todo momento. A questão é a cobrança social. Quando uma criança está em uma situação de risco, por exemplo, questionam como a mãe deixou que acontecesse (ou seja, algo anterior deveria ter sido feito). Ao pai perguntam se ele vai deixar por isso mesmo sem tomar uma atitude (ação posterior ao fato). Antes de ser melhor ou pior, certo ou errado, mais ou menos importante, há apenas expectativas diferentes. O que reforça o valor de existirem os dois presentes na vida social tanto em círculos íntimos como em grupos maiores. Um tal de “Como isso aconteceu, Maria?” e “Não vai fazer nada, José?”…

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