O que fica

O que fica

Rubem Penz

Fica o calor depois do abraço, as lembranças antes, durante e depois da festa; as fotos como prova, os lamentos por cada uma das ausências, a vontade de reunir o pessoal outra vez, a certeza de bem-querer. Fica aquela estranha sensação de que os anos deixam suas marcas e, ao mesmo tempo, apagam cada uma delas em nosso olhar de amizade. O espanto de a dona Morte marcar encontros tragicamente antecipados a desfalcar nossas relações e, assim, fazer com que gotas de melancolia sejam um bitter em nossas alegres recordações. Fica, e bem marcado, o amor pela Vida e uma lágrima depois das risadas.

Fica um dar-se conta de que estamos, todos nós, em um álbum de figurinhas que só se completa quando trocamos memórias: é impossível comprar o olhar que nos contempla para além do espelho; a divisão dos fardos quando notícias tristes são compartilhadas, a multiplicação da esperança diante das boas-novas. A certeza de que os anos de convívio sedimentaram valores também fica, no caso, muito evidente. Fica estranho, às vezes, ver, atrás de lentes infantis, alguns olhares já cansados piscarem peraltices. Deveriam ficar de castigo?

Fica uma mistura indescritível de perfumes em nossas roupas, capaz de confundir o mais minucioso cão farejador; muitas conversas pela metade, ou melhor, nenhum assunto até o fim – ainda bem, diga-se, pois deixa a todos um gostinho de quero mais. Fica aquela persistente impressão de que deveríamos nos ver com mais frequência, algo que só não acontece porque fica cada vez mais complicado juntar o pessoal. Isso, aliás, fica nas costas da comissão de festa – e espero que os demais fiquem, no mínimo, gratos. Fica a dica.

Enfim, em protocolos tantos, ficarei muito feliz ao reencontrar os colegas de Anchieta quarenta anos depois de sairmos do colégio. Opa! Para quem não estudou comigo, agora ficou evidente aqui a minha idade.

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