Uma manchete unânime estampou os jornais pelo planeta no final da semana: OMS põe fim à emergência global de saúde por covid-19. Um leitor apressado pode concluir que a covid-19 chegou ao fim, mas o que terminou, de fato, foi a emergência sanitária global. Triste saber que precisaremos conviver com as variações do coronavírus para o restante de nossas vidas. Também para sempre ficarão as histórias trágicas e de superação; a dor, o alívio e as cicatrizes do período.
No futuro, pesquisadores da área médica haverão de decifrar muitos mistérios sobre o mal que nos assolou. Outros estudiosos – das humanidades – encontrarão crônicas a mancheia para rastrear a evolução não do vírus, mas dos homens diante dele. Digo “evolução” com um viés de otimismo, claro. Material não faltará. Fiz uma pesquisa rápida e, apenas na Revista RUBEM especializada no gênero e para a qual escrevo nas quinzenas, passam de 150 os textos que trazem os termos “pandemia” e/ou “covid” nos conteúdos. A primeira em fevereiro de 2020.
Impossível ser diferente, ou melhor, indiferente. Nada do que vivi (vivemos?) teve um impacto tão profundo e, ao mesmo tempo, tão duradouro no trato social. Todos foram afetados pela covid-19 num grau de elevado a dramático – ou mesmo fatal. Portanto, estranho seria este tema se ausentar das linhas dedicadas aos pormenores do dia a dia. Estimulado pela notícia, fiz meu próprio inventário e colhi quase trinta textos com a pandemia no centro ou nas bordas da criação. Vejam:
24-3-20 1111 de setembro | 27-3-20 Por ora, sãos, Francisco | 14-4-20 Guilherme, Caio, Tício e eu | 7-4-20 Gripe suína | 21-4-20 Como se fora por encomenda | 5-5-20 Máscara* | 8-5-20 Oito ou oitenta | 19-5-20 2020 em drágeas | 2-6-20 Depois de amanhã | 30-6-20 Pequenas (im)perinências | 7-7-20 Dança das cadeiras IV, baile de máscaras | 28-7-20 Se o corona fosse… | 25-8-20 Ideia para uma série de TV | 28-8-20 Método é tudo | 29-9-20 Jaboticab-19 | 23-10-20 Cornélius forever | 4-12-20 Passado* | 8-12-20 Caixa de spam | 22-12-20 Pinheiro de Natal | 2-3-21 Luto | 23-3-21 Desimportâncias importantes | 4-5-21 Carta à Mãe Joana | 14-9-21 Sobrancelhas | 19-10-21 O ciclo das máscaras | 2-12-21 Amar duas irmãs | 7-12-21 Dúvidas, dívidas e dádivas | 19-7-22 A mala ou a vida | 4-10-22 Sidney Penz ou Rubem Magal | 10-3-23 Presente de luxo. E, hoje, Nunca mais covid-19, covid-19 para sempre.
Cronistas são uma espécie de termômetro a medir a temperatura dos temas que afetam a rotina, resgatam as lembranças ou projetam o futuro. Um divã ao mesmo tempo particular e coletivo de onde emergem aflições. Um fórum pulverizado no qual as opiniões coincidem e divergem sem controle – e assim deve ser, mesmo. Portanto, é natural que livros de crônicas com coletâneas sobre a pandemia tenham sido lançados, e creio que novos ainda virão (por exemplo, Crônicas Pandêmicas – que prefaciei). Ao registrar o tempo, estes breves textos hão de compor um álbum de recordações imprescindível para descobrirmos se aprendemos ou deixamos passar lições. Enfim, se a crônica pode ou não ter um efeito de vacina.