O brilho do inesperado, a opacidade da confirmação

Ninho – conversando sobre adoção é uma das mais admiráveis contribuições para esclarecer, amparar e acolher aos que se dispõem a constituir suas famílias através da adoção. Também um importante fórum para mães e pais não biológicos pois, em suas reuniões, há um rico compartilhar de experiências, muitas vezes capazes de antecipar uma reflexão sobre algo que estará no horizonte com o passar dos anos. Se não bastasse, apresenta convidados especialistas para abordar questões nascidas no próprio grupo.

Conheci de perto ao participar do mais recente encontro, numa rara janela sem trabalho noturno – minha rotina deveras limitante. Foi o suficiente para me tornar um fã. A clara percepção de pertencimento vivenciada, os inúmeros insights gerados, o acolhimento amoroso dos profissionais multidisciplinares que se envolvem numa das mais sensíveis áreas da Justiça, tudo conspira para inspirar pessoas a desmistificar o ato ao mesmo tempo simples e complexo de adotar uma criança. Conhecimento a serviço do amor, amor a serviço do conhecimento.

Bom, isso tudo estará evidente a qualquer pessoa que participar das reuniões que a oito anos ampara as famílias que escolhem adotar e, hoje, habilitam-se no cadastro do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Creio que  aquilo que não se espera, no entanto, também é contemplado durante os encontros, basta estar atento. Por exemplo, as questões de igualdade de gênero em geral e, especificamente nas pautas feministas, as expectativas sobre homens e mulheres no dia a dia do lar.

Explico: pediram para nos juntarmos em número de seis, compondo uns sete ou oito grupos para debates do tema proposto. A única restrição foi separar os casais, ou seja, dois da mesma família não poderiam estar juntos. Por aleatoriedade, houve um grupo com seis homens e outro com seis mulheres. A turma masculina foi escolhida para abrir as apresentações com suas ideias e, mesmo antes de se pronunciar, foi destacada e aplaudida por todos – o brilho cativante dos homens participativos! O grupo feminino foi o quinto ou sexto a falar, e o que mais me chamou a atenção foi o silêncio da audiência sobre sua natureza.

Vanessa, que me conhece bem, viu sinais de inquietude. Intuiu o que eu faria mesmo antes de avisá-la: era preciso falar sobre uma coisa. “Falar”, ela sabe, nunca é ao pé do ouvido. Pedi a palavra: o protagonismo masculino é inesperado a ponto de algo que deveria ser normal tornar-se o máximo e, ao mesmo tempo, o protagonismo feminino é tão esperado que se faz absolutamente invisível. Para uns, o mínimo é saudado; para outras, o máximo é apenas a obrigação. Conceitos tão profundamente impressos que passam batido, tamanha naturalização da sobrecarga feminina vigente: nós, homens, estamos sempre no lucro, pois esperam nada.

As mudanças são lentas. Minha esperança é que sejam seguras. Aos rapazes da geração do meu pai, na quase totalidade, cabia cinco minutos de colo (talvez depois do banho, antes de dormir). Não saber trocar uma fralda ou fazer uma mamadeira era motivo de orgulho. Hoje, boa parcela dos pais divide tarefas, mas ainda é pouco. Quando estará bom? No momento em que a rotina riscar aquele brilho só possível pelo desuso.

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