– [péééé… pééééééééééé…] Vizinha, vizinha! [péééééééé…] Sou eu, abre!
– Oi, oi! O aconteceu?
– Tive uma ideia! Ela é sensacional. Tá pronta pra ficar rica?
– Hããããããã… São três e meia da madrugada, meu anjo. Alguém tá morrendo? Se não, falamos amanhã. Ou domingo, ok?
– Não dá pra esperar. É o timing. Acho que já vão trocar o lance da criança na poltrona do avião. Precisamos combinar agora e fazemos amanhã cedo, no seu horário de sair.
– Combinar o quê? Fazer o quê?
– Assim, ó: eu vou esperar você aqui no corredor com a Lulu na guia. O Jr. com o celular filmando. Aí entramos juntas no elevador e você me olha feio. Aí eu pergunto qual é o problema. Aí você diz que o certo é descer com cachorro no elevador de serviço. Aí eu digo que não é cachorro, é minha filha de quatro patas. Aí você aperta num andar qualquer do caminho e me manda descer. E aí a gente continua discutindo de improviso…
– Peraí, por que eu vou ficar no papel da vilã? Eu gosto da Lulu. Ela até fica lá em casa quando você sai no finde.
– Ah, tolinha: não tem essa de vilã. Quando viralizar o vídeo vai ter gente do meu lado e gente do seu lado. Aí vamos dar entrevistas. Mas você tem que fazer um doce, primeiro só eu falo. Bem depois, no timing, você entra com sua versão…
– E se eu filmar agora uma vizinha sem noção que me tira da cama de madrugada pra propor falcatrua, não dá no mesmo?
– Olha a ingratidão, a ingratidão! Pensei em você para ganharmos dinheiro. Você sustenta todos e até o inútil do seu marido!
– O inútil que socorre você quando precisa arrumar alguma coisa em casa? E olha quem falando de marido! Aquela que não segura UM homem!
– E desde quando quero homem em casa, hein!? Uma capacho, isso que você é!
– E você uma infeliz!
***
– Estevão, o que você está fazendo de pé numa hora dessas? Quem você está filmando aí, Jesus do céu?
– Shhhhhhhhhh! Tá estragando tudo! Levantei pra fazer xixi e escutei as vizinhas batendo boca. Vai viralizar. É o timing, é o timing!
***
***
Caro leitor, essa é uma crônica conto, eu sei que você sabe reconhecer e fazer. Mas certamente tem um vizinho ou vizinha que ainda não sabe. Indica a Santa Sede de Verão, vai! Só não bata à porta de madrugada…
Crônica conto? Essa me pegou. Preciso aprender mais, estudar mais literatura…
Ana, lance seu olhar sobre a obra de Luis Fernando Verissimo para compreender o conceito de crônica conto!
Obrigado pela leitura, abraços