Exorcismo de botequim

Não conheço um só cronista a fugir da tentação de pegar uma história que não é sua para, sobre ela, escrever. Nas gradações da pouca vergonha, temos os extremamente descarados – dos quais nem a mãe escapa – até os mais, digamos, éticos: ao menos dão créditos. Ó, mãe, hoje é meu dia de ética. O dono da ideia é Marco Mangan. Perdão, meu caro, ela se mostrou tentadora demais para eu deixar pra lá e não trazer pra cá.

Pedi à turma dele a indicação da Oficina Santa Sede aos amigos (parece mentira, mas as últimas vagas na turma de livro são como soro caseiro – têm o gosto da lágrima). Disse-me ele: “Estou divulgando assim: conta como terapia, exorcismo, redação e língua portuguesa”. Exorcismo!? A-do-rei! Jamais havia pensado neste aspecto e, olhando bem, cabe bem certinho, nem precisa de ajustes.

Definição de exorcismo: ritual que consiste em expulsar espíritos malignos ou demônios de uma pessoa, objeto ou lugar. Por partes, vamos analisar o quão adequado me pareceu definir assim.

Ritual – em geral, imagino, oficinas literárias têm seus ritos. Na Santa Sede isso é muito evidente. O modo de chegar, estar e sair do bar – nossa recepção, presença e despedida –, a forma de distribuir os textos, quem lê e quando, como são feitos os apartes, quando a dispersão é bem-vinda, nossa relação com o garçom, os acepipes, a ementa, as dúvidas trazidas pela ementa… Há mais, mas isso é uma crônica, não um tratado.

Expulsão de demônios – sobram exemplos desta saudável e depurativa prática em nossa dezena de livros. Alguns dizem que escrever ajuda na excomunhão dos espíritos que nos assombram. Concordo, mas é só a metade da receita. De verdade, de verdade mesmo, a limpeza se dá no momento da leitura, ali à mesa, diante de olhos atentos e de almas comprometidas. Desde o (breve) silêncio cerimonioso, passando pelo suspiro, pelo riso frouxo ou ao descer uma lágrima incontida, nosso momento de apresentação das crônicas alcança outra dimensão.

Exorcizar objeto ou lugar – fácil, essa! Poucos ambientes são mais demonizados do que o bar. Há um preconceito tão arraigado que, quando se deseja desqualificar qualquer tese, pensamento ou reflexão, basta dizer que é “filosofia de botequim”. A Santa Sede, desde o nome, se contrapõe a este injusto preconceito. Posso afirmar sem risco que a camaradagem faz baixar a guarda nos fragilizando e fortalecendo do mesmo modo como o amor o faz. Caem máscaras e armaduras nos expondo mais autênticos e belos e livres. Cerceadores odeiam essa liberdade.

Traga seus demônios e livre-se deles com a vantagem de deixar tudo registrado no mais exuberante volume da história das oficinas literárias: nosso livro do ano, seu livro do ano. Ou indique a quem mereça este livramento. Meu WhatsApp é (51) 99123-5540.

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