O bem e o mal, regra ou exceção?

Dentre as diversas justificativas para o noticiário dar ênfase à tragédia humana, às nossas dores e fracassos, a mais simples seria por questão de tempo e de espaço. Explico: faltaria espaço e não teríamos tempo para expor com a mínima proporcionalidade nossos êxitos, nossa alegria e fortuna. Fraternidade, solidariedade, integridade, honestidade… nada disso vende jornal. Por quê? Porque é nosso dia a dia. E normalidade (perdão por lembrar da máxima chula “o cão mijando no poste”) não é notícia. Notícia é quando o poste mija no cachorro.

Trouxe este tema porque me sinto intoxicado toda vez que invisto tempo excessivo acompanhando as coisas do Brasil e do mundo. Mais ainda se faço isso nas mensagens de internet – menos por sua parcialidade explícita (corrijo: parcialidades explícitas), mais na tentação de abrir a caixa de comentários. Pousando os olhos nestas janelinhas, tudo o que aparece é a certeza de que o mundo acabou. Néctar de raiva que nos leva para sentimentos como medo, revolta, decepção, angústia.

Entretanto, a maioria absoluta, ou mais, a quase totalidade das pessoas que me rodeiam durante os dias são bacanas. Chegam-me em sorrisos – quando provocam em mim a necessidade de responder com simpatia –, promovem trocas amenas, demonstram interesse genuíno, interagem com respeito, atendem – quando não superam – expectativas, dão bons exemplos. Posicionam-se como capazes de me socorrer quando for o caso e, ao contrário, contam com minha solidariedade sem constrangimento nem abuso. No meio disso, uma ou outra carranca.

A vida de ninguém é um eterno mar de rosas, um céu sempre azul. Há que se enfrentar desafios, agruras, reveses, perdas e, nem assim, o sofrimento é absoluto. Ao contrário, encontro ao meu redor força vital inversa à vida fácil. Ou seja, onde há menos abundância, há mais solidariedade e, sem surpresa alguma, confiança no outro e no futuro. Os desafios motivam os esforços, as dificuldades a superação. Ter alguém contando contigo jamais sendo visto como fardo, e sim privilégio – como, por exemplo, na parentalidade.

Por isso, alguém só pode estar tirando proveito ao fazer todos crerem no domínio do mal. Isso não é verdade. É uma exceção ruidosa e deletéria, sim – ainda mais quando concentra poder. Será que eu teria uma amostra viciada ao interagir quase só com pessoas muito gente fina? Vocês que me acompanham, considerariam tal fato regra, ou exceção? Mais carrancas ou sorrisos?

10 comentários em “O bem e o mal, regra ou exceção?”

  1. Diante da carranca, Rubem, lembrai o Sermão do Inanimado.
    Talvez não seja fácil de encontrar, se não o conhece, me deparei com a ideia no livro O herói de mil faces, de Joseph Campbell – é uma boa leitura.
    Abraço.
    Auri

  2. Auri, você se refere ao princípio da correspondência? Se sim, concordo – e é o que me dói quando afundo no azedume das caixas de mensagens.
    Obrigado, abraços

  3. O princípio da correspondência está em O Caibalion, estudo da filosofia hermética do Antigo Egito e da Grécia. Eu conheço, é claro, tenho lido, livro sempre à mão. Mas não foi lá que conheci o sermão do inanimado. Sim, por acaso, na página 91, na metade do primeiro parágrafo, aqui: https://projetophronesis.wordpress.com/wp-content/uploads/2009/08/joseph-campbell-o-heroi-de-mil-faces-rev.pdf . Lia esse parágrafo ontem à noite e achei interessante. Parei bem ali a leitura, meditei sobre e então dormi.

    1. Li antes O Livro do Chá, à que a nota de texto 130 nos remete (a nota está na página 111). Mas nesse livro também não lembro de ter encontrado o sermão do inanimado. Talvez porque li em espanhol, prestando mais atenção à língua, menos à mensagem.

  4. Li antes O livro do chá, à que a nota de texto 130 remete (a nota está na página 111). Mas lá também não lembro de ter encontrado a ideia do sermão do inanimado. Talvez porque eu li esse livro em espanhol e, sabe-se lá, devo ter piscado nessa parte. 😀

  5. Texto equilibrado e pertinente nos dias de hoje, Rubem. Eu mesmo estou evitando, na medida do possível, o campo minado do derrotismo e o ar pestilento de certos grupos e seções de comentários em redes sociais. Grande abraço!

    1. Excelente para você, Ataíde, que por força de profissão já lida com uma parcela bem desgastante das relações humanas. Valeu, abraços

  6. Inês Maria Vicentini

    Importante o espaço da Santa Sede onde se cultiva o respeito à diversidade e ao acolhimento tão delicadamente exposto nesse texto. Muito necessário nos dias de hoje onde o que viraliza são os discursos de ódio.

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