O agiota ao contrário

O destino anda batendo em minha porta.

– E daí? É pra quando nosso acerto?

É meio angustiante ficar devendo para o destino. Eu sei. Você sabe? Se sabe, sabe quanto é angustiante ficar devendo para o destino.

Ele é um agiota ao contrário: te empresta esperanças a juros baixos. Irrisórios. Quem aplica taxas elevadas são outros: o estudo, a disciplina, o compromisso. Experimente não estar em dia com eles: a dívida cresce a olhos vistos. Torna-se impagável. O destino? Ele não. Adianta a esperança e sequer volta para cobrar. Até o dia em que bate em sua porta:

– E daí? É pra quando nosso acerto?

Nossa angústia não cessa ao dar explicações ao destino. Ele, além de ser um agiota ao contrário, é um confessor ao contrário: raramente dá uma prece para a contrição. Fica só ali, ouvindo nossas explicações furadas.

É quando dizemos que estamos em dia com os estudos, em dia com a disciplina, em dia com os compromissos. Ele sabe que são fontes mais caras de esperança. Costumam cobrar a curto prazo em forma de boletos variados. Enquanto ele, o destino, sempre nos deixa margem a saldar os títulos de curto prazo e, do nada, do nada mesmo, aparece na porta:

– E daí? É pra quando nosso acerto?

Ai, Jesus! Até tinha me esquecido de você, destino. Também, nunca diz quando virá cobrar nossa dívida? Aí é mais difícil.

Difícil, porém, é ouvir ele nos lembrar que a dívida com o destino existe desde o dia em que ganhamos nossos dons, talentos, pendores. Desde quando o coração bateu mais forte ao acertar uma decisão, receber um elogio, realizar alguma tarefa com ares de cumprimento de missão. E fazemos isso a toda hora sem notar (ou, notando, sem dar a importância certa). E, de distração em distração, tomamos um susto ao abrir a porta:

– E daí? É pra quando nosso acerto?

Felizes são os que findam a vida em dia com o destino.

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