Arrogância culposa

Pensa em alguém intolerante com a arrogância alheia, daqueles dispostos a fechar a cara no ato e manter distância proposital. Bom, este alguém sou eu. Mostrar-se arrogante é me perder na hora e, na via invertida, ter uma postura humilde causa afeição instantânea. Sei não estar sozinho nessa comunidade – acho inclusive que a criação judaico-cristã tende a induzir a este julgamento de caráter. Porém, de um tempo para cá noto uma diferença entre a arrogância dolosa e a culposa e, com a última, tenho sido menos severo.

Ao arrogante doloso desejo o pior mal possível: ter à sua frente outro arrogante em situação de vantagem e disposto a humilhá-lo. Essa praga é bacana porque, na vida, estamos com frequência em eventual desvantagem. Por exemplo, a pessoa pode ser um jurista arrogante ao extremo e, doente, ser humilhado por um médico do mesmo tipo. Note que a equação muda se o médico estiver em desacordo com a lei. Humildes em grau médio ou alto até poderiam dar lições nos arrogantes à moda Ghandi, mas aí o arrogante precisa se dar conta, o que é raro. Logo, opto pelo desejo de humilhação terapêutica, mesmo.

Por outro lado, a idade tem trazido algum grau de tolerância com o que chamo de arrogância culposa. Vou dar um exemplo didático colhido de um grupo específico: os músicos. Sou baterista. Dito isso, algum leitor músico pode pensar: ué, desde quando baterista é músico? Notem que este é um pensamento arrogante, gerando uma piada preconceituosa. E? Tudo bem, estou acostumado. Ser baterista é ser um forte. É saber lá no íntimo que estar na base da banda não traz lá muito prestígio, mas sua falha derruba todo o castelo de cartas. Assim, se não somos respeitados, no mínimo somos temidos. E há sempre os baixistas para pegarmos no pé.

Na medida em que vamos subindo na cadeia alimentícia musical, encontramos, por exemplo, guitarristas, pianistas, saxofonistas e assim por diante. Eles quase nunca são alvo de piadas, vítimas de preconceito, motivo de deboche. E, por não conhecerem a dor, acabam promovendo atitudes arrogantes por culpa da cultura do grupo. Humilham meio sem querer, sabe? Se eu aplicasse neles os ditames do primeiro parágrafo, estaria fadado a ensaiar sozinho, apresentar-me sozinho, ficar isolado. Nada pior para um baterista do que o castigo de um solo eterno. (Putz, pensei nos baixistas outra vez…)

Logo, estar em posição vulnerável proporciona muito mais atitudes de respeito e tolerância do que o contrário. Também não é qualquer piada que nos derruba. A consciência de limites ajuda muito na hora de conquistar e manter amigos, a angariar respeito sem precisar impô-lo, a conviver em harmonia. Aliás, tenho muito cuidado em me apresentar como uma pessoa humilde exatamente por ser este caminho um dos perigosos atalhos para a arrogância. Prefiro assim: ter consciência de fragilidade e falibilidade capazes de levar a uma postura humilde. Eis a sorte de ter nascido pequeno e magrelo.

Todavia, não provoque minha madreteresadecalcutice com atitudes arrogantes propositais. Baquetas voam!

8 comentários em “Arrogância culposa”

  1. Maria Iris Lo-Buono

    Gostei muitíssimo. Como um zanga-burrinho (mineirice) ou gangorra para outros. A arrogância sobe e o humilde desce. Mas, ca de baixo ele pode dar um impulso e fazê-la cair. Pensei nessa imagem com suas baquetas voando. 👏👏👏🙏🏻

        1. Hahahaha! O humor sempre salva a gente, Luiz Fernando!
          Muito obrigado pela identificação, leitura e comentário.
          Abraço!

  2. De fato, irrita sobremaneira alguém ser arrogante conosco. Só não sei se percebemos quando somo nós os irritantes.
    Não estou certo se arrogância cura arrogância, se gera um “simancol” no arrogante. Talvez naqueles culposos, talvez não nos dolosos.
    O que me vem à mente enquanto lição para os arrogantes é o sofrimento, o desastre, a catástrofe, sejam agudos ou crônicos. Mas, ainda assim, não desejo isso nem para o pior arrogante. No final, é possível que cada um atraia para si aquilo que semeia.
    Humildade não se ensina, eventualmente se aprende por experiência própria, assim como é o aprender a ser mais humano. Crescemos à medida em que nos reconhecemos pequenos, parece ser a lição que os anos nos ensinam.
    E parabéns pela crônica, com direito a lançamento virtual de baquetas em nossas mentes leitoras, o que proporcionou uma oportunidade de reflexão.

    1. Verdade, Antônio – a humilhação terapêutica não resolve casos agudos (dolosos). Mas foi a maneira de eu escapar (como você faz) de desejos mais sórdidos.
      Também concordo que humildade é um aprendizado. E, por fim, fico feliz que o voo da baqueta tenha sido uma boa imagem! Me diverti ao colocá-lo.
      Abração!

  3. Gostei muito. Acrescentaria a humildade “bíblica” da exaltação ao final. Seria uma arrogância culposa?
    E lá vem voo da baqueta. Belíssima imagem. Vou levar pra vida! rsrsrs

    1. Muito obrigado, Marina! É uma questão, mesmo. E as baquetas voadoras farão parte do mundo de agora em diante! Beijos!

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