Qual é o tamanho do purgatório em quilômetros?

Há histórias que parecem mentira, exagero, coincidência demais. Precisamos dizer eu juro no afã de convencer o interlocutor. É o caso a seguir, que começa com essa jura implícita, pois parecerá improvável. Vejamos.

Estive em Rio Grande, extremo sul gaúcho, no último final de semana de agosto para participar da Feira do Livro. Fui de carro e sozinho. Na ida, escalei a companhia do rádio: queria acompanhar as notícias do Verissimo, a repercussão de sua partida. Era a forma de permanecer perto na medida em que me afastava fisicamente de Porto Alegre. Na volta, coloquei no Spotify uma busca por comédias de stand-up – um modo interessante e divertido de correr o tempo. Escolhi uma busca randômica para não ficar em um só artista.

Assim, o banco do carona foi ocupado ora por Renato Albani, ora por Rodrigo Marques, Fábio Rabin, Thiago Ventura… Para mim, todos ótimos, pois absolutamente livres para fazer piadas de péssimo gosto – quem cresceu assistindo Costinha não se choca facilmente. Ouvidos sensíveis parariam na UTI com a crueldade do pessoal, mas me identifico demais: tenho um censor interno a impedir que 80% das bobagens que penso sejam ditas. Penso muita bobagem… Eles? Pensam e falam. E ganham dinheiro com isso.

Eis que, a cada final de programa de um comediante, o serviço, ao invés de pular para outro show dele, ou para um da mesma área, saltava para canais religiosos. Salvo engano, pentecostais. Um desconforto, pois me obrigava a abrir a lista novamente e saltar por minha conta. E eu estava dirigindo, momento inadequado para distrações. Uma apresentação de stand-up, um salmo; uma saraivada de barbaridades, uma oração; um alçapão ao inferno, uma corda ao paraíso.

Só pode ser sacanagem!

Quem me conhece sabe que, a exemplo do meu amigo Lulu Santos (Santos!), não desejo mal a quase ninguém – um bom-mocismo que já até me foi prejudicial em alguma medida. Mas, se a intenção por trás da redenção imaginada era me afastar do descaminho, foi pior. Nas primeiras vezes, antes de me ligar que o programa era religioso, acabava escutando a mensagem de forma contaminada e a pensar naquele discurso como um sarro continuado. Enorme pecado, diriam os pastores. Mas aconteceu.

Precisei cruzar Camaquã para o Spotify desistir de me salvar. Ou seja, descobri que a medida do arrependimento é de +/- 200 Km. Passou desse ponto, adeus salvação. Verissimo diria: nada, né? Pensem nisso, pensem nisso…

 

2 comentários em “Qual é o tamanho do purgatório em quilômetros?”

    1. Muito obrigado, Sandra! Adoro a palavra ‘tiradas’! Tiradas de uma cabeça meio doente, né? Abração

gostou? comente!

Rolar para cima