Quando 20 de setembro cai em 9 de março e vice-versa

Fundado em 1948, o 35 Centro de Tradições Gaúchas foi um gesto audacioso: jovens urbanos de Porto Alegre decidiram preservar a cultura campeira, cristalizada na memória coletiva, e a reinventaram em forma de movimento. O 35 CTG não foi apenas um museu de indumentárias ou danças: tornou-se espaço de convívio, formação e expressão cultural. O passado campeiro — que poderia ser visto como “época de ouro” já encerrada — ganhou corpo novamente em danças, cavalgadas, canções, declamações. Não foi reprodução pura e simples. Foi um revigoramento atravessado pelo tempo.

A Oficina Literária Santa Sede (2010) nasceu em sintonia com esse mesmo espírito. Nossa “tradição” é a época de ouro da crônica brasileira — marcada por Braga, Mendes Campos, Maria, Sabino, Lispector e, claro, pelo lirismo de Vinicius de Moraes, que trouxe para a crônica a mesma cadência de sua poesia e de sua música. Estudar essa herança é gesto de respeito: mergulhamos no estilo, reconhecemos a delicadeza das imagens, os modos como o banal se transforma em arte.

Mas aqui entra a reflexão necessária: quantas vezes já se decretou a “morte da crônica”? Fala-se em decadência do jornal impresso, em perda de espaço cultural, em desinteresse por um gênero considerado pequeno. Assim como o gaúcho do pampa parecia ter desaparecido diante da modernização urbana, a crônica muitas vezes foi vista como gênero destinado ao arquivo — espécie de fósforo apagado de uma chama que já brilhou.

O paralelo com o 35 CTG, porém, mostra nosso caminho: o gaúcho não morreu, foi reinventado em espaço urbano; a crônica não morre, se revigora em novos suportes e novas vozes. O bar, o copo e a caneta funcionam como espaço de reinvenção: ali, o gênero reaparece como texto vivo, pulsante, contemporâneo, aberto às questões de hoje, sem abdicar de suas raízes.

Se no 35 CTG a música regionalista — milongas, vaneiras, chamamés — é fio condutor da tradição, na Santa Sede a música brasileira ocupa lugar semelhante. Não raro, a oficina dialoga com a canção popular como matéria de memória e inspiração: Vinicius e Tom, Chico e Caetano, Cartola e Noel. Assim como um baile não se compreende sem a música, uma crônica de botequim tampouco se dissocia da MPB — essa trilha que dá o ritmo da nossa linguagem cotidiana.

No fundo, o destino é comum: tanto o galpão criolo quanto a crônica de botequim já foram tidos como mortos. Ambos seguem vivos porque resistem ao esquecimento pela via da reinvenção. O passado só sobrevive quando aceita se misturar ao presente.

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