Quem, como, por quem?

Pense numa distopia pós apocalíptica. Qualquer uma. Todas repetem a mesma lógica: o colapso, a perda, o sofrimento, o desamparo, a luta pela sobrevivência, o poder pela força, a opressão. Bom, neste sentido, aqui, agora, eu e você estaríamos vivendo uma utopia? Nossos corriqueiros ganhos, inimagináveis a poucas centenas de anos, seriam quase um cenário paradisíaco? A resposta é sim. É para todos? Não. Antes, porém, era para ninguém em absoluto.

Eu posso pensar muito prosaicamente num imperador poderosíssimo que, ao ver o futuro (nosso presente), bradasse: meu reino por uma obturação!

Agora pense quem está no centro dos debates das COPs, as Conferências das Partes, instituídas por fóruns que assumem o planejamento de uma transição energética. Todos lá presentes, absolutamente todos, estão no ápice das conquistas até o momento. Acredito que, ao alcançarem tais postos, convivem com luxos como ar-condicionado, máquina de lavar, refrigerador, avião, bibliotecas, colchões, segurança patrimonial, saúde assistida. Combina comigo: vamos deixar o iPhone de fora dos argumentos, está batido demais.

Eu posso pensar muito prosaicamente num intelectual graduadíssimo que, ao ver o (mau) futuro, bradasse: meu diploma por uma injeção de penicilina!

Por fim, pense: serão, na verdade, almas altruístas ou elites assustadas a comandar a transição energética? É muito comum assumirmos a danosa concentração de capital e poder para representar os cavaleiros do fim dos tempos. E, de fato, a frieza arrogante do acúmulo de riquezas é pornográfica. A questão é eclipsar uma série de privilégios triviais para posar de vítima. Quando há, em realidade, miséria em larga escala ao cruzar uma esquina.

Eu posso pensar muito prosaicamente num marginal de qualquer hemisfério que, ao ver a estampa das autoridades, bradem: meu filho por um sapato!

Fato: transição energética é, primeiro, manutenção do status quo. Depois, quem sabe, com sorte, tomara, se der, oxalá, vamos nos esforçar, a equalização de conquistas civilizatórias. Salvar o planeta? Em perspectiva geológica, não é ele que precisa ser salvo. Ainda bem – já pensou se dependesse de nós? E, na COP-30, sessenta, noventa, tudo será assinado com Mont Blanc.

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