CIDADE DO BONDINHO ERRADO
O Bondinho do Pão de Açúcar completou 100 anos com festa. Cartão postal do Rio de Janeiro, o simpático teleférico é passeio obrigatório para turistas. Tornou-se parte indissociável da paisagem urbana e marca registrada carioca. Agora, vamos imaginar a hipótese de alguém propor um bondinho nos mesmos moldes na também linda Porto Alegre.
O primeiro impasse seria escolher, entre nossos morros, onde. Por aqui, incrível, já houve abaixo-assinado repelindo a casa de nossa Orquestra Sinfônica e, depois, entraves para “salvar” uma área abandonada de aterro, quase inviabilizando o Teatro da OSPA. Isso indica nossa dificuldade em avizinhar qualquer equipamento da cidade. Enfim, acordado um ponto, tudo estaria resolvido. Será?
Talvez não: chegaria a vez de os ecologistas protestarem contra o suposto abalo ambiental do bondinho de Porto Alegre. Tiraria o sossego de bugios, lagartos, tatus, pássaros e outros animais em seu habitat. Ocupação clandestina e desordenada pode (quer dizer, não pode, mas acontece). Teleférico, não. Mas, imaginemos: os relatórios de impacto ambiental são aprovados. Tudo resolvido. Será?
Talvez não: faltaria definir o modelo de exploração do bondinho. Se privado, é um escândalo – onde já se viu lucrar com a paisagem? Se público, também não pode: o dinheiro do povo é para a educação, saúde e segurança, sempre na penúria. Consórcios público-privados são vistos com desconfiança: tem alguém manipulando os contratos. Mas, superado o novo impasse, será que iria adiante?
Talvez não: vem a vaidade política. Quando um administrador, ou partido, é o beneficiado institucional do empreendimento, todos os demais travam o processo. Ainda há a desconfiança sobre a lisura e a pertinência da iniciativa. Caso alguém resolvesse fazer no peitaço, haveria o risco de um bondinho estático, dependurado, para fazer par com nosso “aeroimóvel”.
Pois, aqui, ao invés das obras, são os projetos inconclusos que completam 25, 50, 100 anos. Preciso citar exemplos? Esperança: descermos já do bondinho travado da discórdia e tomarmos a via das necessárias realizações.