Rufar dos Tambores 517
República Provisória do Brasil
Rubem Penz
O que aproxima o jeitinho brasileiro e a supremacia humana na face da terra? Palpite: o critério adaptativo de ambos os fenômenos. De um lado, falando em nome da humanidade, nossa inteligência, engenhosidade e criatividade permitiu que fôssemos dominantes das areias escaldantes do Saara às geleiras do Alasca. Sobrevivemos embaixo d’água, nos picos de montanhas e até em cápsulas lançadas ao espaço. Enfim, venha o que vier, damos um jeito.
O que recai sobre o jeitinho, uma unanimidade nacional. No Brasil, a lei mais seguida jamais foi escrita. Ou, quando foi promulgada, aconteceu à revelia do redator que bolou a propaganda de cigarro e do jogador de futebol protagonista, o famoso Gerson, que a nominou: “O importante é levar vantagem em tudo”.
Tão forte a lei que ela acaba fazendo escola. Por exemplo, desde os primeiros governos civis há algo que vem se reproduzindo de modo constante: conduzir os destinos da nação por Medidas Provisórias (MPs). Como o nome diz, são atitudes ou diretrizes tomadas pelo Governo Federal na base do remendo. Se não me falha a memória, este é um dispositivo constitucional com força de lei para exceções ou urgências diante de uma demanda extraordinária. Uma espécie de saída de incêndio para salvaguardar a governabilidade (termo nascido para significar situação sob controle, e que virou oposição sob controle).
Quem defende a utilização indiscriminada de MPs argumenta que um projeto de lei demanda muito tempo, pois estará subordinado às forças vivas da população – Assembleia Legislativa e Senado Federal. Isso sem falar no controle por parte do Poder Judiciário para analisá-la à luz da Constituição. Como é difícil ir pelo trilho republicano normal, a tal saída de incêndio é transformada em caminho principal. Até que o mérito da MP seja apreciado, a coisa já andou a passos largos.
Mas fica a inquietação de um leigo meio desconfiado: qual é mesmo a diferença entre governar por MPs e por decretos impositivos? O sistema legal não foi montado para prevenir o excesso dos governantes? Como vejo que o que importa é ver as coisas acontecerem de qualquer jeito, proponho uma pequena mudança em nosso nome, assumindo a capacidade de adaptação ao extremo exercida pelo jeitinho brasileiro. Estejamos todos na República Provisória do Brasil. É a democracia adequada ao nosso jeitinho.
O jeitinho brasileiro, assim como uma MP, leva a alguma injustiça. Ainda que algumas vezes sejam necessários, o uso indiscriminado dessas válvulas de escape enfraquece a democracia. O Brasil está no caminho certo para virar uma ditadura. Que pena…
Espero que não… Abraços!