Coluna do Metro Jornal em 07.01.14
Uma das melhores maneiras de começar o ano, senão a melhor, é retomando a confiança na humanidade. Foi exatamente isso o que me aconteceu ontem, por isso divido o episódio com vocês. O meu mais velho está prestando vestibular na UFRGS e sua sala fica no Campus do Vale. Moro em um condomínio de Viamão. Calculei certo movimento a mais por causa do movimento de volta das praias – para um percurso de no máximo vinte minutos em condições normais, demos uma hora de folga: partimos pouco depois das sete. Porém, dois acidentes trancaram a via de modo inominável. Quarenta minutos depois, estávamos quase parados e nem era metade do caminho. Pânico.
Que fazer? Comecei a gesticular para os motociclistas que passavam entre os carros implorando uma carona – nenhum dos poucos que se propuseram a falar comigo tinha capacete extra. Um rapaz chegou a perguntar se eu queria que ele voltasse para buscar um em casa. Obviamente, disse que não era o caso, conseguiríamos a tão necessária carona. Porém, o relógio corria rápido sem que avançássemos meio quilômetro ou conseguíssemos auxílio. Até que vimos um piloto vindo com o segundo capacete no braço. Gesticulamos forte e, para nossa surpresa, era aquele rapaz que, mesmo dispensado por nós do compromisso, havia retornado para casa apenas para nos ajudar. Alívio.
Vocês calculam o tamanho do gesto de solidariedade deste moço? Quantos de nós fariam o mesmo? Pois, sem nos conhecer, sem pedir nada em troca, até mesmo dispensado de sacrificar sua rotina em nosso favor, ele foi magnânimo. Pode parecer exagero de quem está muito emocionado, mas garanto: desde a primeira troca de olhares, quase coberto pelo capacete, vi no motoqueiro a luz da bondade brilhar forte. Havia interesse genuíno em nosso drama. Ele foi alguém colocado pela Providência para nos ajudar. Um anjo na acepção verdadeira da palavra. Ou, para os que não professam alguma fé, um homem surgido para que voltássemos a crer nos homens.
Como costuma acontecer nos pequenos milagres, a flor mais bela nasce no íngreme rochedo ou no mais improvável canteiro. Nos dias de hoje, tememos os que andam sobre duas rodas. Achamos que podem ser assaltantes, que a imprudência guia suas ações, que são os maiores vilões do trânsito. Meu filho, além de chegar rápido, esteve movido pelas asas da redenção da categoria.
Nobre rapaz, na urgência da autoestrada não peguei seu nome nem tive a chance de agradecer na medida de seu mérito. Por isso, se estiver lendo essa crônica, escreva ao Metro. Caros leitores, se ouviram dele ou de alguém essa história, e sabem me dizer quem é ele, por favor, escrevam para o Metro. Ele não apenas salvou uma prova: ele é a grande prova. Devo gratidão.
Maravilhoso.
O gesto, o fato, o texto.
São notícias assim que devíamos ter em excesso nos noticiários. Falar de mortes e tragédias aumenta a audiência e as estatísticas, mas falar de grandes gestos de pessoas simples aumenta nossa “humanidade”, incentiva a boa índole e os bons valores. As famílias não precisam saber o quanto é fácil matar alguém hoje em dia, precisam saber o quanto faz bem ajudar alguém. E os anjos estão por aí usando de todos os meios para transportar solidariedade.
Abraço.
Sandra Guedes
Obrigado, Sandra!
Abraços, Rubem