Rubem Penz
Diz o calendário que o outono começou por essas bandas às 13h57 do dia 20 de março. Não discuto com calendários – obedeço calendários. Porém, nada ou ninguém pode me forçar a senti-lo. Penso que as estações chegam para cada um num tempo diferente, submetidas às interferências do relógio interno. Assim como um calor extemporâneo pode fazer florir os ipês, a nova estação só derruba nossas folhas quando a hora do encontro acontecer. O que de fato aconteceu no final de semana. Demorou um pouco, mas o outono chegou em mim.
Demorou menos por contingências climáticas – eu já havia notado que o calor de um dos verões mais inclementes da história havia amenizado. Vesti camisas de manga longa e passei a deixar um suéter no porta-malas – Antônio Maria implicava com suéteres, mas nunca morou no sul. As manhãs passaram a entrar mais preguiçosas pela minha janela, calaram-se os sabiás, mudei a regulagem do aquecedor de água. Tive tosse, rinite, febre. Tudo isso foi acontecendo devagar, mas faltava algo para que o outono estivesse comigo, aqui dentro. Íntimo. Chegou, enfim.
Chegou porque respirei algumas horas de modo mais profundo, fiz um pouco de silêncio nos pensamentos, acalmei os braços e as mãos. Agucei os sentidos e deixei que a melancolia do vento cantasse para eu dormir. Escutei a percussão da chuva na calha, colhi o frescor úmido da madrugada, coloquei meias nos pés. O paladar pediu um chá, ao invés do suco ou da água, e atendi. O batimento cardíaco amenizou. Meu corpo todo ansiou novo ritmo, um andamento mais sereno, típico das estações intermediárias. Agora, as engrenagens interiores estão se movendo de modo perceptível em busca da adequação ao inverno.
Dei-me a rara oportunidade de observar o renascer do Homem Meridional. São exemplares da espécie Sapiens que se transformam internamente para obedecer os pedidos de cada novo outono. Apagam um pouco suas cores, economizam os gestos e se recolhem. Tornam-se mais reflexivos e menos audaciosos; mais doces e menos ásperos; mais graves e menos afoitos. Entristecem um tanto, principalmente quando estão sós. Se são poetas, produzem melhor. Se são operários, produzem melhor. Se são amantes, melhor reproduzem.
O outono chega para cada um a seu tempo. Sinto-me outono, finalmente. Virei a folhinha da estação, troquei de pele, de ânimo. Vida, não me cobre pressa, decisões, revoluções – intermédios são incompatíveis com ultimatos. Flerta comigo, apenas. Conversa, seduz, propõe. Até que o inverno aconteça, sejamos vento em folha desprendida. Movimento aleatório. Paz.
Crônica publicada no Metro Jornal em 06.05.14.
Bela crônica, essa do outono.
Obrigado, querida Mara!
Rubem, eu adoro o outono e a tua crônica e perfeita para descrever a melhor estação do ano. Leitura deliciosa, especialmente no dia de hoje com o sol aparecendo e iluminando o dia com uma cor especial. Cor de outono.
Dora, fico muito feliz com a tua generosa leitura! Obrigado
Rubem