Rubem Penz
Aproveite estes minutos para pensar comigo: nem tudo o que é bom é certo. O prazer em primazia pode ser desastroso. Trágico. Mortal. Um exemplo? O uso de psicotrópicos. Ninguém me convence de que as drogas venham sem barato – as viagens e sensações são, provavelmente, incríveis. Isso não é um horror? A pior notícia de todos os tempos: uma substância que causa prazer instantâneo vai destruir você. Consumir drogas para mim não é, definitivamente, certo.
Por sua vez, nem tudo o que é certo é necessário. A vida está cheia de exemplos de precisões infrutíferas e inexatidões transformadoras. Um caso bastante em voga é o da criação artística. Todos os grandes movimentos estéticos foram frutos de uma teimosia: se isso é o certo, deixe-me fazer diferente para ver como fica. Nas artes, a repetição de fórmulas consagradas pode até resultar em êxito (principalmente comercial), o que dispensaria o risco da mudança. Porém, para a criação, necessário mesmo é perguntar: hei, o que é “o certo”?
Outrossim (não é um charme essa palavra?), nem tudo o que é necessário é bom. Ou alguém vai me dizer que gosta de tomar vacina? Aprecia passar uma noite toda estudando? Adora deixar a cama quente às seis horas em pleno inverno? Conta as horas para o momento da mamografia? É voluntário para limpar o banheiro da casa? Vislumbra o paraíso quando recusa o segundo quindim? Muita coisa bem necessária é ruim feito óleo de fígado de bacalhau (o qual, necessariamente, eu engolia uma vez por ano na infância).
Imbróglio complicado, não é? Para piorar, meu prazer tem grande chance de ser tão diferente do seu, a ponto de me tornar alguém incompreensível; enquanto você pode ver graça naquilo que odeio. O que é certo para você, fruto de arraigadas convicções, pode ser bem errado para mim, e vice-versa. Aquilo que julgo vital, indispensável e valioso, para você será podre de tão supérfluo, na mesma medida em que suas necessidades serão, talvez, incompreensíveis.
Dito isso, por qual razão mesmo o pessoal anda tão intransigente com o que o outro gosta, pensa ou quer, especialmente se isso não afeta as próprias opções? E quando afeta – e muitas vezes afeta, claro –, qual a dificuldade em descobrir que o mundo não gira em torno do umbigo, partindo desarmado para o debate? Bom, certo e necessário (todos ao mesmo tempo) é defender as escolhas dos outros como sendo o direito que reivindicamos inalienável para nós mesmos, por mais que possa parecer ruim, errado e dispensável.
Crônica publicada no Metro Jornal em 21.06.16