Rubem Penz
Quem conhece um pouquinho da teoria do fogo sabe que é preciso três elementos para que ele aconteça: combustível, comburente e calor. Combustível não nos falta: líquido ou sólido, é o material responsável pela disseminação das chamas. Papel, madeira, plástico, gasolina, álcool… Comburente, basta conhecermos um: oxigênio. Ele determina o fogo – se pouco, a chama será asfixiada e lenta. Quando bastante, rápida ou mesmo explosiva. Por fim, o calor é disparador e garantidor do ciclo. Pode vir de uma faísca elétrica, de outra chama, do atrito. Com combustível, oxigênio e calor, temos o início de um incêndio. Por exemplo:
Religião – ótimo combustível. Seja qual for o credo, seja qual for a época, quando temos preceitos religiosos envolvidos teremos, também, um material muito incendiário. Experimente mexer com o judaísmo, com o cristianismo, com o hinduísmo. Experimente mexer com o Islã. A fé espalha-se como palha seca e, quando acesa, destrói tudo o que vier pela frente. Na história da humanidade encontramos momentos de catástrofe em nome de deuses.
Sexo – a semelhança do oxigênio, ele é vida. Elemento da natureza, é intrínseco, visceral. Pode ser íntimo, contido, dotando as chamas de doce brandura. Quando devasso e libertário, sua explosão fere e deixa marcas. Não pode ser coincidência estar o inferno em chamas e ser ele o destino prometido aos promíscuos. Sexo alimenta o fogo capaz de inquietar a todos e, por isso, vira alvo de severo controle. O drama é dependermos dele como o ar que se respira.
Exposição – eis nosso calor. Deixe o seio a mostra, uma fenda na saia. Descubra o pênis. Use palavras de duplo sentido, faça gestos eróticos, ponha as mãos em seu corpo, no corpo alheio. O rubor será imediato pois, onde há sexo revelado, a face queima. Agora, experimente o atrito que é expor num só tempo e espaço sexo e religião. Mais do que sexo: ele em forma propositalmente chocante. Sim, faça a arte: escreva “cu” em uma hóstia. É este o quadro do momento.
Quem conhece minha história sabe que sou contra a censura (diferente de classificação). Católico, já banquei a liberdade de expressão ao defender – e publicar – um texto libidinoso e ardente em forma de prece. Consciente e tranquilo, sigo fiel a esta diretriz. Agora, não sejamos ingênuos: quem se surpreende com as consequências de Queermuseu no Santander, nada sabe da teoria do fogo. Censura, hoje, é a mais eficiente exposição. Isto é, um dos seus três elementos.
Crônica publicada no Metro Jornal em 12 de setembro de 2017