Se persistirem os sintomas

Se persistirem os sintomas

Rubem Penz

Desde que foi instituída como norma para a propaganda de medicamentos, a frase “Se persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado” aparece em uma tarja nos anúncios impressos ou digitais. Apoio a iniciativa: melhor do que dar uma de avestruz ao desconsiderar que a automedicação é uma realidade, vale avisar que o remédio pode não funcionar, mesmo quando a publicidade é muito bem bolada. São letras miúdas, eu sei. Mas a dose pode ser suficiente (ao menos para evitar processos de propaganda enganosa).

Mais interessante é a transposição desta tarja para os spots de rádio. Em ritmo natural, medi 3,5 segundos para passar a mensagem, ou seja, mais do que 10% do tempo total médio para anúncios de voz. Aos ouvidos do bom senso parece desproporcional. Logo, não chega a ser absurdo supor que a toada seria mais rápida. Quão mais rápido? Bom, eu já escutei algo que soou mais ou menos como “Seperstsinomépresecotado”. Ou seja, só soube o que estava dito porque conheço a frase. Faz-se a lei, faz-se a burla e, se persistirem os sintomas, o Conar deverá ser consultado.

Sem mudar de assunto, quem recentemente descobriu que nossa vida virou um spot de 30 segundos foi uma plataforma de mensagens instantâneas. Agora, podemos ouvir os áudios enviados na velocidade normal, 1,5 vezes mais rápido ou até no dobro da velocidade. A dosimetria do tempo investido em escutar o outro mudou de lado, e isso soa meio desumano ou, no mínimo, deselegante. Mas a lógica é a mesma: se tenho uns 45 minutos para o almoço, como vou ofertar a devida atenção para uma mensagem de doze? Ainda que o interlocutor fique com a voz de quem precisa sair correndo para fazer xixi, ouvir mais ligeiro é bom negócio.

Ah, que saudade das longas tardes de dolce far niente na aurora da minha vida que os anos não trazem mais. Lutar contra a urgência é importante, desconsiderá-la é uma temeridade avestrúzica. Quem manda longas mensagens de áudio jamais saberá quando eu lanço mão do acelerador. Considere isso, ou devo apelar para a franqueza: quer (precisa) falar longamente, vamos marcar um momento para conversarmos ao telefone. Ou pessoalmente, se persistir os sintomas.

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O que jamais voltará são minhas conversas com Daniel Rubin, amigo que faleceu faz um ano. E para transformar a lembrança em sorriso, conto com Bruno Rubin: ele compôs Beatle Dani, um rock em homenagem ao pai. Para conhecer bastam 4min em https://open.spotify.com/track/3A90J89w4b8d4Z5ifUd8Ff?si=nHdVf06eSD27abugP1aRig&utm_source=whatsapp&dl_branch=1&nd=1 (gremistas, vocês gostarão de ouvir até o final).

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