INTELECTOCULTURISMO
O que faz um intelectual narcisista no alto da montanha do seu saber é o mesmo o que um fisiculturista defronte ao espelho: espera o eco para deleitar-se com o seu próprio conhecimento. Uma sutil diferença, talvez, seja o fato de o fisiculturismo ser uma atividade bem mais metódica e assumida.
Conheci o fisiculturismo de perto. Até o final dos anos setenta, quem tivesse vontade de praticar levantamento de pesos para ficar forte mais rapidamente, não encontrava academias como as de agora. Na calistênica época, se alguém dissesse “fitness”, diríamos, saúde! As alternativas, então, eram os clubes de fisiculturismo. Entrei no Clube Apolo, de propriedade do Sr. Arnóbio, que só pelo nome se tem idéia da figura.
O lugar era (é?) muito diferente de tudo o que me rodeava. A começar pelos principais “atletas” da casa: todos ganhando a vida em boates de barra pesada (perdão o trocadilho), uns atuando como segurança, outros fazendo performances, e um terceiro grupo nas duas atividades. Os “professores” aplicavam um receituário empírico que, óbvio, funcionava ou não para cada aluno. O fisiculturista dito profissional, por sua vez, passava lá por volta de seis horas diárias, hipertrofiando e aprimorando o corpo. O objetivo era estar schwarzeneggericamente perfeito na época de campeonatos. E dá-lhe espelho!
Travei contato com os intelectoculturistas bem mais tarde – para freqüentar este clube, só estando mais velho um pouco. Até muito recentemente, sequer desconfiava que eles existiam, por mais que aparecessem na minha frente. Precisou a minha esposa, que circula no meio acadêmico o tempo inteiro, apontá-los, esses dissimulados. Por analogia, um intelectoculturista é aquele estudioso que passa horas, dias, existências lendo e se ilustrando para, no final, estar mais preocupado em admirar seus próprios bíceps conceituais, grandes dorsais lingüísticos, deltóides filosóficos. Muito pouco diante de tanto investimento cerebral.
Imagino que, ao apontar nesta crônica a semelhança entre estes dois grupos de narcisistas, estarei desagradando ambos. Não é para menos: aparentemente, nada é mais diferente do que um e outro. Mas, na essência, eles se igualam em quase tudo, até mesmo na suposta utilidade de seus concursos de beleza. Eu? Continuo tão magro quanto no tempo do Clube Apolo e olhando-os com uma certa admiração. Afinal, sei que nunca serei um deles. Aliás, jamais alcancei 20% de suas persistências, para o azar do meu espelho.