Crônica número 250

 

INTERVALO COMERCIAL

 

Intervalo de almoço em uma empresa pública (ou privada, tanto faz). Cinco homens vão juntos ao banheiro, um deles com uma grande sacola preta de nylon ao ombro. Há uma discreta ansiedade no ar. Afinal, ali está a nova coleção de cuecas da Zorba. Entre uma urinada e a escovação de dentes, todos manuseiam as peças íntimas, comparando a qualidade, testando o elástico, comentando sobre as cores ou estampas. Um sexto rapaz entra no local e imediatamente se junta aos demais. Três dos cinco experimentam os modelos. Dois fecham negócio, pedindo para só depositar o cheque no dia 10. Ainda dá tempo para conferirem umas calcinhas e sutiãs rendados para as esposas, de lambuja no mostruário (quem sabe para o aniversário de casamento…). Saem do toalete prometendo avisar os outros colegas sobre a excelente coleção.

 

          Você não caiu nessa, não é? Forcei? É: creio que a cena descrita no primeiro parágrafo nunca aconteceu. Nem jamais acontecerá, seja com cuecas, meias, camisas, bermudas ou gravatas. Porém, na mesmíssima hipotética cena, se trocarmos os homens por mulheres e as cuecas por calcinhas, eu teria descrito uma passagem quase cotidiana da vida empresarial. Mesmo sem ter freqüentado o banheiro feminino em contexto além do imaginativo, suponho que o comércio seja uma das trezentos e cinqüenta e sete ações coletivas praticadas pelo sexo oposto quando a porta do toalete se fecha. E, ao final da história reescrita, uma mulher voltará do almoço com dois cheques para garantir uma renda suplementar para casa.

 

          Assim é a vida: enquanto os homens são dependentes confessos do salário ao final do mês, as mulheres se mostram ágeis e dinâmicas na busca de complemento de remuneração. No trabalho, elas compram e vendem de tudo: cremes ou loções de diversos os tipos, perfumes, bijuterias, roupas íntimas, utensílios domésticos, xampus, maiôs, shake para emagrecer, capas de almofada… A lista é grande demais para o espaço de uma crônica. Algumas fazem cursos e se tornam consultoras disso e daquilo. Aprendem rápido quem merece pagar em três vezes e quem só pode receber o produto mediante dinheiro vivo. Decoram as datas de aniversário da família e chegam ao requinte de fazer visitas a domicílio. Homens investem seus intervalos em discussões sobre se determinado time deve jogar em 3-5-2 ou 4-4-2, as vantagens dos motores 1.5 ou 2.0 para o uso misto (cidade e estrada), ou se a Sandrinha está mais ou menos gostosa depois de voltar das férias.

 

         Bom, estão certas as mulheres e certíssimos os homens. Elas nada mais fazem do que aproveitar nichos de negócios: vendem porque compram e vice-versa. Eles não se arriscam a passar vexame ao convidar os parceiros de futebol para dar uma olhadinha em uns cremes, sungas ou artesanato no vestiário, por melhores que estejam os preços. O máximo que vão conseguir é perder o lugar no time.

 

A única exceção que lembro era o Alfredo. Ele sempre partia para o trabalho com uma mala preta de rodinhas. Dentro, coleções completas de chaves-de-boca (milimétricas e de polegadas), chaves-de-fenda, Allen, chave-estrela, cachimbo, extensores, martelos, formões, plainas, lâminas importadas para serra. Mais: furadeira portátil importada, aparafusadeira elétrica, multi-teste, pequenos tornos de bancada, luvas, máscaras, óculos de proteção e outros tantos itens igualmente cotados. Depois do almoço, quando abria a mala, causava furor no escritório. Mas durou pouco: foi proibido pelo ortopedista depois de ganhar menos dinheiro do que hérnias de disco…

3 comentários em “Crônica número 250”

  1. Quem é a Sandrinha?
    Tinha uma colega que vendia blusões de lã…realmente uma raridade. No máximo rifa de filha da escola, mas em 100% das vezes o pai compra todas e diz que vendeu…

  2. Grande Rubem. Entao as mulheres nao perdem uma oportunidade pra lutar pelo sustento da familia enquanto os homens esperam qualquer oportunidade pra falar (ou “tricotar”)com os amigos? Isso eh uma inversao da historia ou foi sempre assim?… Andre Hof.

  3. André, Cozinheiro (!),

    Os homens trabalham bastante e as mulheres também. Mas a tese da inversão me balançou… Será???

    E a Sandrinha… hummm… Será que ela já provou um Vatapá?

    Abraços,
    Rubem

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