A notícia girou o planeta: falece, aos setenta e sete anos, a ex-primeira-dama brasileira Ruth Cardoso. Doutora em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), professora e pesquisadora da USP, foi docente em universidades de países como França, Chile e Estados Unidos da América. Atuava, também, como membro associado do Centro para Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge (Inglaterra)
e membro da equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap – São Paulo). Enfim, uma intelectual valorizada e reconhecida no mundo inteiro. Foi a partir de dona Ruth que muitos dos atuais programas de inclusão social brasileiros surgiram – tal como o Comunidade Solidária – e foi depois dela que a posição de primeira-dama viu nascer um novo paradigma.No princípio, minhas referências de primeiras-damas nacionais não chegavam a empolgar, pois não vivi a época em que Maria Teresa Goulart rivalizava em elegância e beleza com Jacqueline Kennedy. Nasci em 1964, tempo de regime militar e nenhuma liberdade de imprensa. Recordo de dona Lucy e dona Dulce, mulheres nada diferentes do que se esperava das boas mães de família. Em 1985, eleito Tancredo Neves, poucas mudanças prometiam com a ascensão de dona Risoleta: no máximo uma rima perigosa. Porém, ficamos mesmo é com a discreta figura de Marly Sarney. Mas o ruim iria piorar… Quisera esquecer Rosane Collor – com seus modos, roupas, irmãos e bagagem cultural, superada em mau gosto tão somente por algumas namoradas de Itamar Franco. Quando dona Ruth subiu a rampa do Planalto, ou mesmo antes, ao lado do poderoso Ministro da Fazenda, o alívio foi geral.
Estranhamente, Ruth Cardoso fez mais por nossa nação – povo e imagem internacional – do que a maioria dos representantes públicos eleitos. Com seu perfil discreto e sereno, duvido que recebesse mais do que meia-dúzia de votos populares em uma eleição direta. Aliás, antes disso, não creio que se submetesse a um sufrágio em virtude do que isso viesse implicar. O que não significa uma recusa à política maiúscula, instância que sempre fez parte de sua rotina. Afinal, viveu no exílio, retornou com a cabeça erguida e uma carreira acadêmica consolidada para, a partir da abertura, tornar-se a esposa de um dos mais influentes governantes de seu tempo. E, longe dos holofotes, atuou com maestria.
Em um caso de nepotismo às avessas, em vez de uma companheira se beneficiar do cargo do marido em proveito pessoal, foi o Brasil quem saiu favorecido na eleição de Fernando Henrique Cardoso, recebendo dona Ruth como primeira-dama. Reconheço que, a partir daí, o parâmetro se tornou muito elevado. Porém, isso não justifica a visível inoperância de dona Marisa Letícia, a atual, de quem não se escuta um único ai. Aliás, ela só é notícia por causa de cirurgias plásticas, jardins, vestidos e, claro, por acompanhar, como nunca antes na história deste país, tão de perto o presidente em suas viagens para cima e para baixo.
Em 2010, sonho com um governo capaz de levar o Brasil um passo adiante em diversas questões. Espero que seja honesto e tenha coragem para alterar o quadro político atual: com seriedade e caráter não será tão complicado atender esse meu – nosso! – anseio. Agora, não alimento ilusões de ver um cônjuge (primeira-dama ou primeiro-cavalheiro) superando dona Ruth Cardoso tão cedo. Na minha preferência, ela, que foi a última, para sempre será a primeira.