É a quarta vez que chego ao mesmo hotel. Também a última, ao menos por um tempo indeterminado: finda o compromisso que tenho na cidade. Quando da primeira vez, me indicaram na recepção o quarto 208. Na semana seguinte, seria o 109. Perguntei se o 208 estava vago e, após a confirmação, pedi para ocupá-lo. Depois, quiseram me acomodar no 209 por duas vezes, mas preferi repousar no mesmo quarto do primeiro dia. Aliás, já vinha pensando nisso no caminho: estando livre, quero ficar no 208. Numerologia? Superstição? Pior… Acho que aprecio uma certa dose de rotina.
Sobre o 208: ao abrir a porta, entramos em um pequeno hall com a porta do banheiro na frente e o quarto à esquerda. Sua simplicidade é acolhedora, o banho bem quente e as toalhas macias. A cama de casal tem a cabeceira almofadada em tecido sintético marrom que imita couro, criados mudos com duas gavetas e lâmpadas de cabeceira que não funcionam. Defronte, o roupeiro de duas portas é contíguo com uma estante contendo prateleiras, gavetas e a prancheta embutida que me serve de apoio para escrever. Completam as acomodações uma TV de 20 polegadas com controle remoto, um ar condicionado que nunca liguei, um frigobar que desligo para poder dormir e uma ampla janela para o jardim interno. O que vi neste quarto para querer voltar? A chance de, na segunda vez, conhecê-lo a ponto de circular até no escuro (especialmente porque as lâmpadas de cabeceira…).
Há quem durma bem em qualquer lugar ou circunstância. Eu, não. Estranho os ruídos, as sombras, a orientação da cama, a altura do travesseiro e por aí vai. Sem frescura, não me deixo abater – apenas acordo cinco vezes durante a noite. Ou 42 vezes, se não desligo o frigobar – esse eletrodoméstico costuma disparar (e me despertar) a cada dez minutos. Mas eventuais desconfortos reduzem muito quando consigo repetir o aposento do hotel. Qualquer quarto, se volto duas ou mais vezes, passa a ser um pouco meu. Pois é…
Essa necessidade de apropriar-se de um local e de uma rotina pode até estar me prejudicando para além do sono. Por exemplo, nesse mesmo hotel, quem sabe o quarto 109 não é equipado com uma TV de 29 polegadas? Ou o 209, que tem uma varandinha, não é maior? Vai ver que, de todas as lâmpadas de cabeceira, só essas duas estão estragadas… (Incrível: em quatro semanas, nem eu, nem ninguém reclamou disso!) De fato, nenhum quarto supostamente melhor me daria conforto igual ao 208 que pude repetir. Metade pela descrença em acomodações muito superiores no hotel, metade pelo bem-estar do espaço conhecido.
Tal assunto sobre pernoites em hotéis, quartos iguais ou diferentes, lâmpadas e sono inconstante deve abrigar alguma boa metáfora escondida sob as cobertas. Ou, à luz da psicanálise, dizer algo definitivo a meu respeito e das pessoas que sentem o mesmo. Na velha e boa filosofia de botequim, poderia indicar que sou um camarada fiel, ou inseguro, maniático, ficando velho. Ou meio maricas, até. Eu mesmo fiquei cismado a ponto de dedicar uma crônica ao fato. E, graças ao texto – o qual escrevo aqui, agora, dentro do 208 –, decidi mudar de atitude! Vou deixar de ser assim conformado. Termino esse parágrafo, fecho o bloco, oculto a prancheta embutida e tomo uma iniciativa mais ousada. Sim: enquanto é tempo, pois nem abri a bagagem. Vou pedir para que me troquem as malditas luminárias de cabeceira!
Pos-scriptum: retornei no ônibus da madrugada, deixando o hotel ainda de dia. No fim, tomei uma ducha e esqueci de pedir novas luminárias. Na próxima viagem, caso dêem para você as chaves de um quarto 208, verifique as lâmpadas antes de mais nada.
Desligar o frigobar?… aí eu não dormiria com medo de sonhar com um Atacama da vida e acordar sedento sem nada gelado para beber…
Essa “nossa turma de ruins para o sono” não é fácil…
abração
Beto,
Que susto! Pensei que falarias em “ruins de cama”. Nesse caso preferiria constar ausente da turma!
Abraço,
Rubem