Ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino
Pepeu Gomes
Experimentei, de modo involuntário, algumas sensações que vejo cotidianas entre as mulheres que me cercam. (Não, não é nada disso que alguém possa estar pensando.) Tudo começou quando decidi escrever sobre o Dia Internacional da Mulher, comemorado em oito de março. Um tema aparentemente fácil de versar, pois admiro muito o sexo feminino, conheço-as razoavelmente bem, sou refém de seus encantos. O que jamais poderia imaginar, porém, aconteceu: como em um roteiro de filme hollyoodiano, uma parte indissociável da personalidade feminina me foi incorporada. Refiro-me à insatisfação crônica.
Estive por dias e dias diante da tela do computador tal qual uma mulher defronte ao roupeiro, ou dentro do closet. Primeiro, olhei para dentro de mim por um longo tempo para concluir apavorado: não tenho palavras para a ocasião! Um colossal exagero, óbvio. Era o espírito feminino pousado em meus ombros sem que pudesse desconfiar. Homens não costumam divagar muito para se vestir ‒ o critério muitas vezes é meramente geográfico, isto é, a posição da camiseta na pilha, a calça que já está no espaldar da cadeira, o sapato mais próximo. Da mesma forma, depois de escolher um tema, masculinamente, tenho a tendência de pouco sofrer até concluir o trabalho. A semana começava diferente…
Se não bastasse, comecei nada menos do que quatro textos sem avançar até o terceiro parágrafo. Havia uma boa chance de todos eles tornarem-se boas crônicas, dependendo de cuidados de elaboração. Mas quem disse que eles me satisfaziam? Então, nenhuma outra hipótese se mostrava mais correta do que o desprezo total às palavras escritas até ali: elas nunca me agradariam. Um detalhe curioso no processo ‒ e que considero mágico ‒ é a forma nublada de minhas dúvidas. Perguntei-me várias vezes o que havia de errado com a crônica nascente e em nenhum momento soube explicar o que estava me perturbando. A única certeza era a vontade de trocar de texto. Mais: trocar de abordagem. Ou trocar tudo, até eu mesmo. Que inferno!
Passada essa fase, e chegando perigosamente no final do prazo hábil, escrevi uma crônica inteira com uma idéia que parecia ótima. Voltei ao texto, fiz ajustes, mudei o título, troquei o final. Pronto! Então, como se fosse uma dama diante do espelho, odiei o resultado. O-di-ei, gente! Quer coisa mais mulherzinha do que produzir meticulosamente um trabalho e considerá-lo um horror tão logo chegue ao seu final? Alguém já viu um homem trocar de terno no penúltimo minuto antes de uma recepção social? Ou mudar o cardápio depois do jantar estar terminado? Ou mesmo retornar na loja com o produto recém adquirido, dizendo, lânguido, que repensou a cor? Pois isso me aconteceu desta vez…
Aqui, agora, peço a Deus que a maldição abandone minha mente. Ok, já aprendi a lição: a mulher estar insatisfeita sem conseguir explicar a razão não é uma condição transitória. Não é nada conosco, homens. Não depende de ciclo hormonal, fase da lua, estação. Acontece quando ela está de férias, trabalhando demais, em novo endereço. Ao contrário do que se pudesse supor, é algo muitíssimo mais delicado: faz parte de sua natureza. É intrínseca. Quando corretamente dosada, bem compreendida, a insatisfação feminina é mola propulsora, agente qualificador, princípio de evolução. Porém, funciona apenas com elas. Homens são mais simples, diretos e objetivos ‒ pão, pão; queijo, queijo. Sofrem muito quando estão em eterna dúvida.
O Rufar dos Tambores está atrasado e o texto vai sem revisão ‒ os leitores já estão buzinando no carro. Dou uma última espiada no espelho da tela e resisto à tentação de mudar algo. Respiro fundo, olho para a tecla ‘delete’, mas decido: ‘enter’.