Número 380

FIOS DE ESPERANÇA

Conhecer Montevidéu, assim tão tarde como aconteceu comigo, apenas fez crescer a vergonha que eu já tinha de nunca ter estado lá. Desde os primeiros metros na capital uruguaia, a arquitetura bem preservada grita ao visitante de primeira viagem: viu só o que você estava perdendo? Soma-se, ainda, o afeto e a simpatia dos nossos vizinhos para com os brasileiros, uma rede hoteleira compatível com qualquer poder aquisitivo, o trânsito sereno, os museus, as lojas e atrações em geral. Para piorar, só o fato de esta cidade estar a míseros oitocentos quilômetros de onde moro… Porém, de tudo o que me enterneceu – e não foi pouca coisa – algo saltou à vista: a capital do Uruguai (aliás, o Uruguai inteiro) é zona de preservação ambiental de um ser que está em vias de extinção. O bigodudo.

Com um pouco de acuidade visual, sempre haveremos de encontrar bigodudos em todo o planeta. Há bigode alemão, chinês, mexicano, argentino, texano, africano, russo, espanhol, francês, português (o único unissex)… No Brasil, também vemos um bigode aqui e outro ali, especialmente no Rio Grande do Sul. A própria estátua do Laçador, figura altiva que recepciona os visitantes de Porto Alegre, é um gaúcho pilchado a contento: da bota de garrão de potro até o vasto bigode. Por isso, não se pode afirmar que os bigodudos se foram da face do planeta. Mas é evidente seu rarear. Bom, menos no Uruguai.

Quase a metade dos garçons de Montevidéu, por exemplo, usa bigode. E também os motoristas de táxi que, além de cinto de segurança, carregam bigodes para afiançar penhor. Entre vendedores ambulantes, feiristas, aposentados passeando pela Rambla, trabalhadores do porto e frequentadores dos bares e cafés, a proporção pode facilmente chegar aos cinquenta por cento de peludos. O próprio funcionário aduaneiro que nos recebeu em Rio Branco ‒ separada da brasileira Jaguarão por uma linda ponte ‒ ostentava bom bigode. Isso já era um indício que desprezei. Porém, mesmo com tamanha representatividade, um dado preocupa: os bigodudos estão envelhecendo e há poucos deles entre os jovens. Quase nenhum, aliás.

Chegamos ao ponto: fios de barba continuam nascendo debaixo do nariz de todos os homens. Mas em um mundo globalizado, até o menino uruguaio, acostumado a ver o bigode do pai, do tio e do avô, tem dificuldade de se imaginar usando um igual. Na TV e no cinema, quase ninguém mais usa. E se as meninas suspiram por rapazes de cara lavada, a vaca vai para o brejo de vez: não há ímpeto tradicionalista que suplante a necessidade biológica de reprodução. O que pode estar acontecendo no Uruguai ‒ aqui a esperança ‒ é a adoção madura do bigode. Isto é, depois de casar e ter filhos, o uruguaio resolve tomar as rédeas do destino e deixar crescer o desejado bigode. Uma espécie de rebeldia às avessas, e que salva o bigodudo da extinção.

Confesso que em minha (duradoura) fase imberbe, sonhava um dia usar bigode. Via em fotos antigas que um exemplar dele nascera no rosto do meu pai ainda na juventude, acompanhando-o por toda a vida. Quis o destino, porém, legar-me pouca barba. E, em uma época em que a moda era manter limpíssimo o espaço entre os lábios e o nariz, pior seria usar um quase bigode (sujeira de feijão, conforme ditado antigo). Hoje, talvez os fios que tenho já estejam em quantidade compatível com a estética ‒ fato reforçado pela predominante tendência masculina do estilo barba por fazer. Mas depois de tantos anos de cara limpa não sei se me reconheceria no espelho. Sinto que para usar bigode, farto ou miúdo, só partindo para morar no Uruguai ‒ algo que a formosa Montevidéu, com seu charme sedutor, convida.

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