Número 391

FUMAÇA DE FRANGO

Quando a mamãe sorridente do comercial de supermercado retira o frango dourado do forno, cuidando para não queimar as mãos na assadeira, a coisa não é bem assim. Durante a gravação a ave não só está fria, como também envernizada e banhada por produtos químicos. São efeitos especiais para fazer aparecer a belíssima fumaça branca que, do outro lado da tela, fará brotar água na boca.

Tudo bem: na TV não existe temperatura, só a impressão de temperatura; não existe sabor, só a impressão de sabor; não existe perfume, só a impressão de perfume. Televisão é imagem, som e fantasia. Mentiras bem montadas para que sejam mais críveis do que a verdade cozida ou crua.

E propaganda política, será que segue a mesma lógica?

Odeio dar uma de Mister M e estragar a ilusão de quem acredita fielmente no que vê e escuta dos candidatos durante o período eleitoral (se é que pessoas assim estão lendo essas palavras). Porém, afirmo com poucas chances de estar equivocado: o que mais vemos nas propagandas partidárias é fumaça de frango.

São cenários milimetricamente montados para serem mais palatáveis aos olhos e ouvidos do que a vida real. Artifícios técnicos capazes de preencher as lacunas sensoriais e induzir o telespectador a acreditar que as pessoas ali estão quentes, saborosas e perfumadas. Isso é certo? É errado? Nem uma coisa nem outra: é propaganda de TV, a alma do negócio eleitoral.

A partir do momento em que nos damos conta de que tudo é falso (precisa ser falso já que é TV), a próxima indagação deve ser a seguinte: aquela fumaça tão sedutora está ali porque o candidato (ou candidata) é quente, e por isso precisa mostrar que é quente; ou porque é frio (fria), e por isso precisa desesperadamente mostrar que é… quente?

Aos marqueteiros essa questão é irrelevante. Para eles, pouco importa que a pessoa seja frango, peixe ou gado; esteja quente, fria ou congelada; seja palatável, insossa ou mesmo intragável. Para os homens de propaganda, a imagem contratada não é um pedido, é uma ordem correspondente a um preço. Tudo é técnica, tudo ardil. Homens, quando coisificados, ganham tantas camadas de verniz e banhos químicos quanto forem necessários para parecerem saborosos no final.

Mas, e agora, o eleitor deve acreditar no quê?

A resposta é simples como fritar um ovo: o eleitor deve prestar menos atenção na propaganda, e mais na biografia dos envolvidos. Isso vale para qualquer pleito, para todos os candidatos, em primeiro e segundo turno. Para as escolhas ao poder executivo e ao legislativo também. Vale até mesmo para o síndico do prédio, a quem confiamos a administração do nosso pequeno mundo.

Fácil! Todo candidato tomou decisões no passado, fez escolhas; esteve (está) ao lado de uns, combateu outros. Errou e acertou; posicionou-se ou se omitiu; evoluiu ou retrocedeu; tentou muito esconder-se. Isso, em princípio, não qualifica nem desqualifica ninguém, pois o que é mérito para um eleitor pode ser demérito para outro. Aquilo que aparece na biografia de alguém apenas é o que é, doa a quem doer. O resto é fumaça.

Fácil? A dificuldade começa quando, em política, até mesmo as biografias parecem etéreas… E a mamãe pátria sorri, oferecendo aos filhos aves pintadas de verniz.

 

2 comentários em “Número 391”

  1. Dolorosamente verdadeiras, mas muito sabias palavras que se aplica a qq pais do mundo agora, infelizmente. O Brasil, eh claro, a politica perversa e mentirosa tem um profissionalismo invejavel ate mesmo a varios paises do assim dito 1o. mundo (ainda existe isso? 1o. e 3o. mundo? Desculpe sou das antigas).
    Certa vez me contaram uma piada que eh mais ou menos assim (com algumas adaptacoes): Convencao mundial de politicos do ano corrente foi na (digamos) Inglaterra. O politico hospede Ingles chamou entre seus convidados um politico americano (digamos) e um politico Brasiliero (“digamos”). O Politico Ingles apontou para uma ponte ao longe, atraves de uma janela, bateu 3 vezes no bolso da calca e disse “10%” ao que os outros politicos aplaudiram muito. No ano seguinte, nos EUA (digamos) o politico Americano repetindo o ato apontou para uma ponte, bateu no bolso da calca e disse “25%” e foi ouvado. No ano seguinte, no Brasil (digamos) o politico Brasileiro repetiu o ato, apontou para um rio na atraves da uma janela, bateu no bolso e disse “100%”. (…digamos) 🙂

  2. Paulinho,
    Tua piada é ainda mais dolorida, mas verdadeira. Vamos crer que a jovem democracia brasileira se aprimore e dê a luz a governos melhores. Esperança! Abração, Mano

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