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Rubem Penz
Paira uma lenda de serem os homens uns insensíveis, que apenas as mulheres guardam todos os detalhes, mas não é verdade. Não mesmo. Ou não mais. Orgulho-me em dizer, por exemplo, que lembro em pormenores o nosso primeiro encontro. A faísca do meu olhar contigo nos braços era tão visível e intensa e desejosa e promissora que espelhava-se na face dos demais, daqueles poucos que nos viram sair juntos. Alguns invejaram nosso encontro. Em outros brotou aquela melancolia vinda da apreciação de sua rara estampa – dali para adiante minha, de ninguém mais.
Mas nada aconteceu na primeira noite. Já não me consome a urgência da juventude, uma sem cerimônia para a entrega imediata ao prazer. Uma vertigem, uma embriaguez desenfreada e sedenta. Sofreguidão. Engolir-se tanto e tão rápido que, em igual velocidade, há o fastio. Todas, assim, logo soam vazias. Homens experientes permitem que o tempo de espera acresça desejo. E nós estávamos entregues um ao outro apenas na manhã seguinte. Uma longa e ensolarada manhã de sábado. Antes do almoço, para abrir o apetite. Você dividindo meus lábios com o óleo de oliva que escorreu no dedo enquanto temperava a salada.
Neste ritmo, que respeita o anseio e as pausas, seguiu nossa relação. Sem hora marcada, sem dependência – vício seria a melhor palavra, e fugimos dela com medo da verdade. Ora escutando um jazz, ora em silêncio. Às vezes cedo, outras antes que parecesse tarde demais. Sempre lentamente, jamais começando no momento em que houvesse pressa para nos deixarmos. Para espanto dos que me conheceram em outro momento da vida, estivemos juntos por longo tempo. Inimaginável tempo. Ah, o que faz de diferença um pouco de amadurecimento em um homem… Eu mesmo cheguei a estranhar, nunca permanecera tanto.
Eterno enquanto dure. Vinícius de Moraes. Poeta que não foi de uma – foi de todas! Ensinou que tudo tem seu tempo, o esgotamento é inevitável. Agora, frente a frente, desconsiderando os conselhos do bom malandro, abro meu coração para confissões que nunca devemos fazer: muitas vezes deixei de lhe procurar justamente para retardar o fim. Conscientemente. Talvez na mais avessa das provas de afeição. E fui infiel. Pior: na rua, estive entregue aos excessos que tanto e mais sonegava em casa. Canalhice total. Não me odeie. Ódio, devemos ter do infalível fim. Sejamos sinceros, já não há trocas possíveis. Entre nós, restou o gelo. Cumpriu-se o ciclo. Cada um, a seu modo, entrará em processo de reciclagem.
Meu futuro você já sabe – sempre sabem. Outras, tão novas quanto você foi um dia, brilham e me sorriem enquanto passo. Em breve, depois de lhe ver partir, ou mesmo antes, terei companhia. Com bastante dinheiro é fácil, dirá. Sou obrigado a concordar. Mas serão só seus, exclusivamente seus, os tantos momentos em que estivemos juntos. Adeus. Até nunca mais.
Escorre a última gota feito lágrima tardia sobre a pedra. Goodbye minha querida garrafa de uísque 18 anos.
Esta foi demais Rubem!
Um abraço
Miguel
Rubem querido,
Muita gente vai se identificar, e por motivos variados…
beijo,
Jéssica
Obrigadão, Miguel!
Abraços, Rubem
Motivos variados, Jéssica???
Será que estou bebendo demais e escrevendo tudo duplo???
Obrigado, abraços, Rubem
Muito boa, Rubem! E a imagem com o azeite de oliva, visível
bjs
Joséte
Muito grato, Joséte!
Abração, Rubem
Pela primeira vez, Maninho, não gostei. Tudo isto para uma garrafa de uisque? Não será uma prova da insensibilidade masculina?
Beijo
Maria Lúcia,
Essa “traição” ao final (maquinada desde o princípio) foi de propósito. E tem duas leituras, claro: a de que nós somos uns insensíveis, ou uns sensíveis… de certa maneira. Mas te sentires traída é sinal de êxito “técnico”. Mil desculpas, mas estou feliz! Beijos, Mano