Número 472
Rubem Penz
Um conhecido ditado sobre as relações humanas diz que, na desilusão, o cristal do vínculo se vê trincado. Não rompe – é seu limiar, sua promessa. Basta uma pequena alteração de temperatura, choque suave ou olhar torto para espatifar-se. E cristais jamais se recuperam: quando em pedaços, as partes são inconciliáveis e sem valor.
Daí a razão de pisarmos em ovos. Cuidamos ao falar algo ao cônjuge, medimos as palavras no trabalho, somos prudentes com amigos. Sacrificamos a franqueza que promete colisões. Engolimos sapos, contamos até dez, deixamos assim. Isso, ou pisaremos em cacos de vidro em constante guerra.
Há quem veja nessa cristalina fragilidade um grave problema na entropia dos centros urbanos. Verdade: ninguém gosta de viver pressionado pela iminência de não mais retomar a estrutura original de um relacionamento. Porém, outro lado deve ser levado em conta: desobrigados a lidar com a prudência, abandonaríamos a delicadeza – excelente conquista civilizatória. Compreensão e tolerância, também: valores louváveis diretamente vinculadas à evolução espiritual.
Agora, o mais impressionante: ao julgar o laço materno como sendo o mais resistente, seja por solidez ou maleabilidade, tendemos à imprudência. Parece que tudo o que se faça (ou que se deixe de fazer) será perdoado. A quem ama de modo incondicional estaríamos autorizados a mostrar a face mais amarga, o ranço mais empedernido, o egoísmo mais torpe. E, pior, de modo acusatório: veja quem sou eu de verdade e assuma sua culpa nisso.
Exagero, mas há verdade por trás da contundência: confiando no indefectível amor de mãe, não as poupamos de nós mesmos. O mundo pode nos magoar. Ela, jamais. Pode ser injusto (ou justo com nossas falhas). Ela, jamais. Pode esquecer-se de nós. Ela, jamais. Pode ser áspero, surdo, indigesto. Ela, jamais. A todos devemos tolerância sob o risco de ver o cristal das relações trincado. Quanto à mãe, ela que suporte a carga de ser perfeita e indestrutível, mesmo que nós a tratemos com desleixo.
No dia das mães e nos dias de filho (os demais), quero pedir perdão por todas as vezes em que fui descuidado. Também perdoá-la como sou obrigado a fazer com os outros. Já sei, mãe: você resiste. Mas nem assim é justo.
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Muito…muito bom!
Parabéns Ruben, abraço do Humberto.
É isto mesmo!
beijo, Querido
Muito legal, Ruben, muito verdadeiro e sensível. E como é difícil a gente se dar conta disso… é como se mãe não fosse um ser humano, fosse um ser sabe-se lá de onde… e o pior é que, de fato, ser mãe, e ser pai tbém, implica em tudo isso, nesse amor incondicional e nesse compromisso que não é opcional, ao menos pra quem quer ser mãe e pai, né? E se é alegria, é dor tbém e, então, um soprinho no ferimento sempre vai bem. bj