Número 489
Rubem Penz
Há uma supervalorização do momento em que vamos dormir. Desde pequenos, somos instigados a cumprir algumas regras ditas “facilitadoras”. Quem se tornou pai (mãe) por esses dias bem sabe disso. Dos pediatras aos consultores especializados (com colunas de jornal ou comentários no rádio), passando pelos avós, muitos contribuem com receitas para a hora de deitar. Sagrados tornam-se nossos rituais pré repouso.
Uns recomendam diminuir a luz dos ambientes; desligar a TV, rádio, videogame ou computador; criar rotinas de economia de movimentos; colocar pijamas; escovar os dentes, fazer pipi e botar toda a família na cama ao mesmo tempo… Existem os adeptos ao copo d’água, outros receitam leite, todos desaconselham refeições pesadas e muita carne. E, claro, tem a turma que aconselha a leitura, já bem acomodados debaixo das cobertas.
Porém, o despertar ficará por conta de cada um. Eis um momento em que as receitas esbarram no particular e intransferível. Pode até ser impressão, mas não me lembro de ver o mesmo ímpeto para dar conselhos sobre como encarar o dia que nasce. Logo, para um instante de tamanha fragilidade, há um vazio institucional. No alvorecer, nos deparamos com o império da intuição, do particular.
Por isso, talvez, seja muito (muitíssimo) mais complicado acordar ao lado de uma nova companhia do que levá-la para a cama. Atire o primeiro travesseiro quem nunca teve o desejo de fazer sumir alguém que está ao lado pela manhã. Arrisco o palpite de que alguns solteiros empedernidos assim o são pelo pânico de ceder espaços em sua rotina matinal. Por outro lado, quando a intimidade começa a ser conquistada, o encantamento que separa o fechar e o abrir de olhos marcará a diferença entre a conquista do “felizes” e a garantia do “para sempre”.
Há quem pule da cama feito um jato (falante e articulado), enquanto tem gente que deseja matar quem ouse romper o silêncio. Uns programam o despertador para muito antes da hora (e curtem a preguicinha), outros querem dormir até o último instante. Tem aqueles que precisam de café com mesa posta em contraste com os jejuadores. Há adeptos do banho para acordar e os que usam o banho para adormecer. Isso sem falar nos programados (planejam a roupa na noite anterior): gente que jamais entenderá quem baixa todo o guarda-roupa antes de decidir-se por uma mísera calça. Como conciliar tudo isso?
Assunto tão sério deveria constar em acordos pré-nupciais. Tipo, Artigo 1º: jamais fale comigo antes das nove horas. Ou: Quer café? Aprenda a preparar. Ainda: Esqueça as notícias – prefiro música clássica. Fica a ideia aos escritórios de advocacia.
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