A cidade feita sobre rascunhos

Coluna do Metro em 16.01.2013

A CIDADE FEITA SOBRE RASCUNHOS

Era uma vez uma cidade grande, mas nem tanto, que por isso passava a impressão de ser pequena, mas nem tanto. Nela, lá pelas tantas, seus habitantes alcançaram um número mais ou menos estável – origens predominantemente europeias adiantaram nesse lugar um fenômeno de natalidade mais baixo do que a média nacional. Também equilibrada ficou a quantidade de emigrantes e imigrantes.

Nessa cidade, por um fenômeno mal explicado como fatalidade (ou azar, ou destino), uma série de administradores foi incapaz de conduzir grandes obras de infraestrutura, acessibilidade e urbanismo, ou mesmo colocar em prática algumas que foram planejadas no passado (todas, quando feitas, nasciam defasadas). Por isso, tanto maior ficou a cidade pequena, tão apequenada ficou a grande cidade.

A consequência foi a transformação da mini metrópole em uma cidade “apagável”: ao invés de projetar espaços em áreas virgens, valeu mais a pena suprimir o passado, como se ele não fosse importante, representativo, válido, útil, digno ou belo. Mero rascunho. Uma esperteza enorme, pois a administração não mais precisaria dotar novos espaços de infraestrutura: ocupa-se para cima cobrando de mais gente os impostos elevados dos bairros nobres.

Muitos dos que defendiam o sistema “apagador” dessa cidade meio grande e meio pequena, eram os mesmos com dinheiro e cultura para viajar pelo mundo, visitando (e admirando) lugares com história. Eles talvez se perguntassem, no íntimo, como bairros inteiros se mantinham com casas antigas – castelos! – livres do ataque especulativo. Afinal, todos gostariam de morar ali, e no lugar de três casas um prédio de vinte andares seria excelente. No fundo, sabiam a resposta.

A resposta é que uma cidade que não planeja o futuro estará fadada a ser, também, uma cidade sem passado. E uma cidade sem passado jamais terá futuro digno. Para esse lugar fictício eu indicaria um plano quase obsessivo de longo prazo que contemplasse, prioritariamente, um excelente sistema de metrô (sim, minha cidade imaginária carecia deste modal). Só o transporte coletivo rápido e de qualidade resolveria a equação de todos desejarem morar no mesmo espaço.

Pena que minha ideia não faça muito sentido nessa cidade de faz-de-conta que está destruído seu legado arquitetônico sob a falsa promessa de modernidade e avanço. Lá é o mesmo lugar onde, em algum momento mágico, se imaginou ser mais lógico trancar toda a população atrás de grades, cadeados, câmeras de vigilância e seguranças privados ao invés de construir (e manter) bons presídios. Ah, esse mundo da fantasia tem cada uma!

gostou? comente!

Rolar para cima